segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Centelha do Silêncio

- Interessante, interessante - ele repetia muitas vezes enquanto ouvia os relatos.
Se sentia como numa sessão espírita, onde uma roda de benzedeiros e médiums estavam ao seu redor prontos pra tirar um demônio do seu corpo. E talvez fosse quase isso.
Como era possível alguém esquecer completamente dos seus atos, palavras e erros, sem estar nem ao menos alcoolizado, drogado, nem nada do gênero?
E todos os seus amigos, que estavam ao seu redor, contando cada detalhe do que ele havia feito.
Ele não entendia como havia chegado aquele ponto.
Sempre se achou tão seguro, tão forte, tão consciente, mas se deixou cegar por um sentimento.
O que era um sentimento? Não era nada. Ele sempre soube que vivemos num mundo de razão, onde quem age com sentimentos não conquista nada, apenas perde.
Mas ele chegou em seu limite, e no momento de extrema raiva, por pouco, não matou aquele que esteve ao seu lado durante tantos meses.
Ele não merecia aquela humilhação. Ter que ver a pessoa a quem tanto amou se insinuando, dançando, tocando e sendo tocado por tantos outros homens, em sua frente. Ele não tinha como ficar calado.
Porém se esforçou. Foi para todos os lados, andou, tentou qualquer outra forma de distração. Até que seu sentimento tomou conta de seu corpo, e suas mãos voaram em ao pescoço do outro. Ele queria matar aquele que jurou amor para toda a vida, e agora agia como uma vagabunda.
Ele cuspiu na face do outro, jogou contra a parede e gritou tudo que vinha a sua mente.
Aliás, ele não. Na verdade, o lado dele que sempre se manteve guardado, mantendo a imagem da pessoa pé no chão, inabalável. Mas que por dentro deixava acumular toda a dor. Uma fortaleza, que mantinha sua estrutura indestrutível externamente, mas que por dentro mantinha todos os explosivos, todos a espera de uma pequena faísca.
Chegou a hora da explosão. Do que valeu a pena tanto silêncio, se o fogo de sua ira o cegou? De que adiantou guardar tudo para si, se no final das contas, acabou sozinho?

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Obsessão

Se permita possuir.
Se permita ser domado, ser domesticado, ser moldado.
Se permita mudar, completamente, segundo as regras.
Se permita ver o mundo com olhos que não são seus.
Se permita andar em cima da linha.
Se permita ouvir apenas o que diz interesse a quem te diz o que ouvir
Se permita recriar sua vida segundo desejos alheios.
Se permita apagar o passado e viver só o que vem em frente.
Se permita ser criação.
Se permita ser posse.
Ou então, você está fora.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Autofagia

Tão ingênuo a ponto de acreditar em qualquer palavra. Era esse o estado em que ele se encontrava. Tão frágil, tão desolado, que qualquer pequena demonstração de afeto parecia estar lhe dando o mundo inteiro. E por que, por que se permitir passar por isso mais uma vez, com tanta intensidade, e com tanta rapidez?
Ainda ontem ele esperava os mesmos braços virem o abraçar, agora, se entregava com muita facilidade ao primeiro. Carente. Ele não sentia falta de ninguém, em especial. Apenas sentia falta de alguém.
Alguém que ao mesmo tempo que estivesse protegendo, estaria se sentindo protegido. Amando, pra se sentir amado. Dando carinho a outrem, apenas para se sentir acariciado.
Egoísta, e não somente, egoísta consciente, e sem nenhum escrúpulo. Ele jamais iria mudar.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Dali pra nunca mais.

E a porta bateu de novo. Ele não se levantou para ver o que era. Ele sabia, era só o vento.
Mais uma vez, só o vento da janela que deixou aberta desde o momento em que se viu destruído e caiu na cama, pra não mais levantar. E o vento, que não cansava de bater as portas de sua casa, para quem sabe, tentar fazê-lo acreditar. Fazê-lo levantar do seu estado de desistência.
Antes, quando ouvia bater a porta, levantava-se, esperando ele chegar correndo e cair em seus braços, ao seu lado na cama.
Agora, não espera mais por nada.
Sabia que não era certo se entregar assim, deixar que toda a sua vida fosse destruída. Era apenas um fim. Apenas mais um fim.
Mas não era tão fácil assim. Não dessa vez. E então, ele deixava a tristeza corroer todo seu corpo.
E lá ficava, a porta batida, os passos que não mais vem em sua direção. Afinal de contas, era só o vento. Mais uma vez.