terça-feira, 6 de abril de 2010

Memórias do Indizível V: Que Assim Seja

Esta é a última Memória do Indizível. O último texto do blog que eu divido/dividia com Janaina Lellis. Quem sabe um dia eu volte até lá. Quem sabe um dia nós voltaremos. Por enquanto, são só memórias. De coisas, que nunca foram ditas. Que assim seja.

No silêncio de uma noite sem estrelas, eu me pego pensando em nada. Absolutamente nada. Se formou um silêncio em minha cabeça, que eu nunca soube o que é. Um vazio inexplicável, justo eu, que sempre sou tão ocupado, tão preocupado, tão atarefado. Trabalhar, a minha vida se resume a isso. Qualquer relação afetiva ou social, eu deixei pra lá. Sou um rapaz ainda, jovem, tenho que fazer a minha vida antes de pensar nos outros. Primeiro eu, primeiro eu. Sempre.
E de repente, nada. Absolutamente nada. Todos os sons da cidade pararam, as luzes se apagaram, e a minha cabeça parou de pensar no que eu pensava.
Eu já nem me lembro mais. Uma reunião a ser presidida? Um projeto a ser posto em prática? Um relatório a ser concluído? Contas a serem pagas? Fornecedores a serem contatados? Eu nem me lembro mais, o que é que está havendo? Eu fecho os olhos, e agora tudo que vejo é minha vida passando.
As amizades da infância e da adolescência, as brincadeiras. Aah, era tão bom subir naquele pessegueiro... Mas na época eu tinha tempo para isso, agora não há mais tempo. E os namoricos, os primeiros casinhos e paqueras também passaram pela minha cabeça. Nossa, e o simples fato de encostarmos nossos lábios já era encantador... ERA, eu disse bem, pois nesse mundo de hoje em dia, não existe espaço para inocência.
E tudo isso é passado, eu tenho que parar com isso. Então, vou e me deito. Dormir, mesmo que seja perca de tempo, é melhor do que ficar nessa escuridão, sem energia, e relembrando coisas que não voltam mais.

Acordo, não sei quantas horas depois, é impossível saber. Sei que é dia pois a luz do sol já atravessa as persianas, mas o relógio parou de funcionar. E pelo que parece, a cidade continua adormecida. Todos os barulhos que eu sempre pude ouvir atravessando a janela e me acordando de tempos em tempos durante meu curto sono, essa noite parecem ter silenciado totalmente.
E quando me levanto, noto também que a energia ainda não voltou. Ótimo, muito bom, muito me interessa como vou trabalhar. Me lavo, me visto, rapidamente, pois tenho medo de estar atrasado, afinal de contas, não sei que horas são. Está tudo enlouquecido.
O elevador, para minha sorte, também não funciona. Descer 10 andares de escada, que alegria. Chego a portaria, não há ninguém lá. Moradores saindo para trabalhar, porteiro cuidando da movimentação, nada. Será que aconteceu algo e só eu não fiquei sabendo?
Vou até o estacionamento, e então descubro que o carro também não funciona, apenas para melhorar tudo que já está me acontecendo. Descido então sair, ir até um ponto de onibus ou encontrar um taxi, algum meio de chegar ao trabalho.
Quando chego à rua, vejo tudo parado. Sem carros nas ruas, sem mendigos nos bancos, sem cachorros nas calçadas, sem pessoas preenchendo o vazio do lugar. Sem nada. Tudo parado. Que tipo de jogo é aquele?
Então, eu sinto toda minha vida passando por mim. Será que eu morri?
Fecho os olhos, e vejo novamente o mesmo de ontem, a infância, a adolescência, todos os momentos bons que eu tive, e que eu havia esquecido... havia deixado de lado para alimentar minha ganância, pois eu vi exatamente o momento em que me perdi, e dexei de viver minha vida para viver meus desejos. E de tanto pedir para estar sozinho, para viver minha vida sem nada nem ninguém para me atrapalhar, parece que agora consegui realizar o meu desejo.
O mundo é meu, e sendo só meu, ele passa a não valer nada.

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