sábado, 30 de julho de 2011

Réplica

Recolhi as folhas espalhadas pelo chão do quarto, e tentei, de alguma maneira, reconstruir o livro de recordações.
Encontrar uma ordem plausível para tantos poemas, canções, desenhos, rabiscos, rascunhos.
Reconstruir no caderno de lembranças, no diário desorganizado, a memória que a cada dia vai ficando mais frágil.
Talvez, assim, conseguir lembrar do dia que eu fui embora de mim, e deixei-me prender no cômodo que você incendiou.

domingo, 24 de julho de 2011

Em Retalhos

Era quase noite. Conversávamos sobre corpos. Os mais curvilíneos, os mais retos, os mais belos. Viamos o tempo passar quase como se estivesse parado. A cada vez que olhava ao relógio parecia que estava retrocedendo ao invés de seguir em frente, tamanha era a lentidão a das horas.
Passeamos por todos os assuntos, de artes a política, de futebol a telenovelas, e agora, quando não havia mais como fugir. Falavamos sobre os corpos.
Os corpos deles, os corpos delas. Os corpos mais quentes, os mais frios. Os mais viris, os mais mirrados. Os corpos que eram melhores que o meu, melhores que o dele.
E cada corpo mencionado, retratado, comentado, fazia com que uma parte do meu corpo e do corpo dele fosse arrancado, diminuído. Em cada corpo que tocamos em segredo, deixamos um pedaço nosso que não voltará mais.
Depois de muito adiar o fim, e de aumentar em exagero as feridas no vazio, saímos. Fui embora, com o que sobrava dos meus pés. Ele ficou, com as mãos sobre a mesa, tateando no escuro, procurando a chave do carro.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Um dia.

A cortina mofada me fazia lembrar de que ontem eu te disse pra fechar os olhos.
Ontem?

Fazia tempo que eu já não sabia qual era o som dos seus lábios secos ao se abrir pra dizer.
Nada.

E ontem, ou um pouco antes do mês passado, eu senti seus cílios se moverem lentamente e piscar seus belos olhos escarlates.
A mão fria encostava em minha pele e me dizia que eu podia deixar a luz entrar só um pouco, só um pouco, naquele quarto escuro e sem vida.
Os lençóis espalhados pelo chão nos lembravam que há muito tempo não arrumávamos a bagunça que fizemos uns dias antes, naqueles dias que ainda nos lembrávamos.

Nos lembrávamos dos bons tempos, da grama sob nossos pés e o orvalho sobre nossas cabeças.

Hoje, ou algo como um dia qualquer, tua pele seca, teus olhos vermelhos, as cortinas mofadas, e o silêncio triunfa.