sábado, 29 de dezembro de 2012

Fraterno

Foi insistente em dizer que era culpado. Não queria apresentar álibi, nem pagar fiança – por mais que tivesse condições para isso. Disse que matou-o a sangue frio, sem pensar duas vezes. Nunca havia desejado vê-lo morto, mas quando o viu deitado no sofá, começou a imaginar o sangue escorrendo de seu pescoço por todo o tecido branco encardido, penetrando no estofado mofado do móvel antigo, herdado de seus avós.


sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Carta de Fundo de Gaveta; ou tout ce que je voulais

Sentei hoje, com vontade de vomitar tudo aquilo que eu queria ter dito depois de tantos esses anos. De te xingar, de dizer que eu me arrependo, de dizer que você arruinou a minha vida. Como eu já fiz tantas outras vezes, e como sempre, não fui capaz de sustentar minhas palavras e sempre voltei atrás.
Portanto, depois de derramar lágrimas e cuspes sobre a minha covardia em te deixar apenas como memória, sentei apenas para te dizer o que eu quis. Não que você vá se importar, ou que algo em nossas vidas vá mudar por eu te dizer o que um dia eu desejei, ou deixei de tornar realidade. Mas, já que estou aqui, me sinto na obrigação de te dizer algo.

Em Ruínas

Era um som tão alto que eu o sentia dentro de mim. Atravessando-me como uma adaga afiada, atirada diretamente no centro do meu peito. Eram gritos tão fortes, tão corajosos e, ao mesmo tempo, tão desesperados, que não era identificável se a massa de pulmões gastos era formada por jovens iniciando uma rebelião, ou por miseráveis fugindo do fogo que consumia suas casas. Apenas era possível escutá-los.
Eu não sei há quanto tempo não via a luz do dia. Permanecia intacto e protegido de mim mesmo há tantos anos que, minha única lembrança de vida, são os beliscões que dou em mim mesmo, dando-me certeza de que, ao menos, ainda consigo sentir dor. Também não sei por quanto tempo.
Ouvia aqueles gritos vindo de algum lugar, que eu não sabia onde era. Se vinham de cima, de baixo, dos lados. Apenas desejava ansiosamente que eles fossem fortes o suficiente para explodir as paredes frias e mucosas que circundavam minha existência, e me jogassem no meio de sua misericórdia honrosa, me pisoteassem e me destroçassem. Talvez assim, destruído, derrubado, com poeira no corpo, e feridas por toda minha pele, eu lembrasse de como é se sentir vivo.