quarta-feira, 8 de maio de 2013

Ferida Aberta

Veja só. Arrastando os pés na calçada, depois de um dia todo de trabalho, cansada. Ela segue. Já marcara o compromisso de encontrar o velho amigo, conversar não sabe o quê. Procurara mil desculpas pra cancelar o compromisso, mas não encontrara algum. Não sabia o que queria o velho amigo, que não via a tempo tanto, que nunca vinha visitar.
Tinha raiva da solidariedade, esperava não falassem do marido que perdeu. Nem em guerra, nem batalha, nem assalto, nem ataque. Perdera para outra mais nova, bem mais bela, mais formosa, pra mostrar à sociedade. Não o amava a muito tempo, mas doía, bem no peito, a maneira que ocorreu. Humilhada e destruída, o marido lhe dizia: nunca fostes quem amei.
Pois agora era só isso que então os seus amigos sempre iam conversar. Perguntar-lhe sobre a vida, sobre o quanto lhe doía, o marido que não há. Não queria mais saber, estava tentando seguir a vida, e esta mágoa esquecer. Sabe que são bem intencionados os velhos companheiros, mas não conseguirá tocar a vida, se não lhe deixarem renascer. Esperava, ansiosamente, que o amigo, que um dia lhe fora tão querido, apenas quisesse sua companhia. Um café e uma conversa a toa, sem tentar lhe consolar.
Chegou ao lugar marcado, ele não estava. Havia muito tempo que não voltava ao café. O marido e ela, há muito tempo, não saiam para passear. Ela estava resguardada. Já desconhecia a maneira do atendimento, como se portar em público, o que fazer com tantas pessoas ao seu redor. Como falar. O que falar. Sentara-se sozinha, numa mesa ao canto, para evitar ser observada. Observava os demais. Muitos jovens no lugar, se abraçando, conversando, rindo alto. Arrependia-se de não ter tido um filho. Imaginava-o ali, como os jovens, conversando, tendo amigos. Sendo seu amigo. Sorriu, lacrimosa.
Passaram-se 20 minutos, e nada do amigo chegar. Pensava, então, na possibilidade de ter ele esquecido. Tão melhor, pensou ela, não sabia se estava disposta à conversar. Mais 10 minutos se passaram até que ela decidiu levantar, e quando o fez, viu o amigo entrar pela porta. Agora, seria inevitável. Teria que ficar.
Ele a viu e acenou, sorridente, vindo em sua direção. Abraçaram-se, e ele disse o quão feliz estava em vê-la. Ela apenas sorriu, singela. Ele questionou se estava tudo bem.
- Sim, está tudo. Apenas estou um pouco cansada.
- Dia de trabalho, não é? Agora é só chegar em casa, e descansar para o outro dia!
- Antes fosse, meu amigo. Desde que o marido se fora, já não tenho mais doméstica. Não posso pagar o que pedem. Tenho eu que fazer tudo.
- Trabalhei também o dia todo. Ainda tenho que sair depois, buscar o filho na faculdade. Nem acredito que já é universitário, meu menino!
- Que alegria, o teu filho. Queria eu ter tido um. Olhei os jovens, tão alegres, neste café, e fiquei imaginando que um deles poderia ser o meu. Mas o marido nunca quis, uma criança. Talvez agora não estivesse tão só.
- Mas nem só alegrias são um filho, sabe. Desde criança, até adultos, sempre são preocupações diferentes. Por onde correm, se vão cair ao aprender a andar, se estão indo bem na escola, se estão indo à escola, se estão indo por um bom caminho, se querem trabalhar, aonde foram que ainda não voltaram, e já é tão tarde.
-Me privou até destas dores de cabeça, então, meu ex-marido. Talvez, assim, eu não tivesse tanto tempo de sentir sua falta, me preocupando com uma criança.
- Tem  tanto tempo que não nos víamos, não é mesmo? Mas, ainda, você está tão bonita! Tão esbelta, tão bela!
- Emagreci muito, nos últimos tempos. Pouco como, sabe? Cozinhar pra uma pessoa só não tem tanta graça. Quando tinha o marido, tinha gosto de ir à cozinha. Hoje, como um pão a noite e já me dou por satisfeita.
- Está morando ainda aqui por perto?
- Estou, ainda bem. Como o marido ficou com o carro, agora faço tudo a pé.
- Sorte nossa, morarmos em uma cidade pequena! É fácil para irmos para todo o lado caminhando, e ainda aproveitar para respirar um pouco.
- Sorte e azar, também. Não posso ir nem ao mercado, à mercearia, que encontro ele e sua esposa jovenzinha, alegres, passeando como um casal de bobos. Tenho evitado sair de casa, apenas para trabalhar, e quando é extremamente necessário.
- Tem começado a ficar bem frio, nos últimos dias. Tenho evitado sair de casa.
- Quando é frio, é tão terrível. A cama grande fica tão vazia, sem o meu marido nela.
- Veja só! Olhe as horas! Creio que já seja hora, de que eu vá!
- Eu também, como vou a pé, não posso ir quando estiver tão escuro. Sou sozinha, tenho que me cuidar.
- Mas jamais, vamos comigo! Eu te deixo em sua casa!
- Não, não, não se incomode. Tenho que passar em outro lugar antes de ir para casa, e prefiro ir a pé.
Sem insistir, o amigo levantou-se. Abraçou-a novamente, disse que ligaria para marcarem novamente. Ela sorriu, amarga, e disse que iria esperar. Foi embora chateada, pois outro amigo a chamara, só pra falar do marido.

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