sábado, 24 de agosto de 2013

Em Cachecóis e Cabelos Soltos

Eu senti o cheiro da chuva. Quando pisei pra fora de casa, naquele dia de inverno, eu senti. Por mais que você viesse a insistir depois que seria quase impossível chover em um dia tão frio, com tantas estrelas no céu. À todo momento, eu esperava ouvir o primeiro trovão. À todo momento, eu iria esperar você dizer que tinha medo de raio e eu oferecesse meus braços pra te proteger. Não dos raios. Só do medo do raio. E te guardar do frio.
Enquanto andava por aquelas ruas vazias ao teu encontro, eu imaginava como você estaria vestida hoje. Ri sozinho dos seus hábitos engraçados. Em dias quentes, você aparecia com um casaquinho leve, dizendo ter sentido um vento frio atravessar a janela quando acordou cedo, e achou que sentiria esse vento frio durante todo o resto do seu dia. Já em dias frios, onde eu desenterrava até o casaco velho que herdara de meu avô e que eu pensava, quando mais novo, que jamais usaria, e que agora eu estava usando pois precisava de muita roupa pra me proteger da temperatura baixíssima, você aparecia com o mesmo casaquinho leve do dia quente, dizendo que nem sentira tanto frio hoje, que acordara até suando, do calor que estava. E aí, hoje, eu estava coberto até a ponta do nariz, andando por aquela rua. E eu queria ver como você estaria.
Imaginava também os teus cabelos. Será que estariam soltos, recebendo aquele vento frio contra eles, deixando seus cabelos ondulados ainda mais sensualmente armados, ou teria amarrado-os em um coque, para que ficassem parados? Eu preferia que estivessem soltos, recebendo a surra do vento, e caindo levemente sobre teu rosto, quase como um véu, um tecido volumoso que te cobre do resto do mundo até chegar ao meu encontro.
Parei em frente ao restaurante que tínhamos marcado para nos encontrarmos. Você disse que chegaria às 21:00. Eu cheguei às 21:05. Por mais que eu soubesse que, antes das 21:30, você não chegaria. Pontualidade nunca foi o seu forte. Você sempre fez o seu tempo, e sempre improvisava alguma história trágica e cheia de acontecimentos para explicar o atraso, e no meio de tantos absurdos vomitados de última hora, você daria uma risada gostosa e alta, pra depois contar que demorara para escolher uma roupa, para passar a maquiagem. Pra ter coragem de parar o cd que estava tocando, enquanto dizia: "só mais essa música, só mais essa". E eu apenas riria contigo, te abraçaria suavemente, e diria como você era boba de inventar essas histórias. Que eu jamais me incomodaria em te esperar. E eu esperei. E como esperado, você se atrasou.
Atrasou até às 21:27. Exatamente. Sei porque estava olhando para o celular bem no momento em que um táxi parou do outro lado da rua, e eu senti que daquele táxi você desceria. E você realmente desceu. Enquanto esperava o semáforo fechar para você atravessar, você olhou para frente, e meus olhos encontraram os teus. Você sorriu, singela. Eu sentia vontade de pular e gritar e abanar as mãos e correr por cima dos carros e encontrar os teus braços. Apenas sorri de volta. E sustentei o sorriso até os carros pararem. Até o semáforo fechar. Até você atravessar a rua.
Enquanto você caminhava, eu visualizei. Seus cabelos estavam soltos, e o vento os balançava suavemente, deixando-os sensualmente ondulados e volumosos. Vestia um casaco longo, uma bota. Desta vez, suas vestes estavam adequadas ao clima. Ri baixinho quando pensei nisso, e no seu costume de ir contra aos outros quando o assunto é a temperatura. Sua maquiagem estava leve. Um delineador, um batom claro. O que me alegrava. Não gosto de mulheres que se escondem em quilos de maquiagem. Você não precisa de máscaras. Eu prefiro quando você é, assim. O mais puro da sua essência.
Você chegou até mim, e reabriu o sorriso. O meu, ainda estava em meu rosto. Apenas tornou-se maior ao reencontrar com o seu. Nos olhamos por alguns segundos, sem trocarmos uma palavra. Um toque. Apenas, nos olhávamos. E aí, você começou a rir e pedir perdão pelo atraso e que seu gato virou o prato de ração e de leite e que manchou o tapete e que o gato saiu correndo e você foi atrás dele e também queria tirar o leite e a ração do tapete antes que a mancha ficasse maior ainda e que. Então, você desandou a rir. Eu ri junto contigo, e apenas perguntei: "Qual música você não queria deixar de ouvir?". "Pra Você Guardei o Amor". Continuamos a rir, e nos abraçamos. Um abraço de olá. Um abraço de saudade. Um abraço pelo qual eu trocaria todo o resto dos meus dias. Um abraço, de adeus.

Um comentário: