segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Sentença

Começamos bem o nosso dia. Levantei antes de você, como de costume, e dei-lhe um beijo na testa. Você, ainda de olhos fechados, sorriu sem abrir os lábios, e virou-se para o outro lado, puxando o edredom com as pernas, e colocando-o entre suas coxas, de maneira que podia ver sua perna direita, branca, e a calcinha que usara para dormir. Fui ao banheiro, tomei um banho para despertar. Escovei os dentes, e fiz a barba. Contra a sua vontade. Você sempre me preferiu de barba. Mas, o trabalho me obrigava a tirá-la. Sequei os cabelos com secador, arrumei-os, e voltei para o quarto enrolado na toalha. Você estava sentada na beira da cama, espreguiçando-se. Cheguei até você, dei-lhe um beijo. Você, então, seguiu para o banheiro, enquanto eu me vestia.
Quando você ficou pronta, decidimos que tomaríamos café em uma confeitaria próxima de casa. Eu disse que estava com desejo de torta de bolachas. Você riu, debochada, e perguntou se eu estava grávido. Nos abraçamos, rindo, e seguimos abraçados até a confeitaria. Sentamos, e pedimos, ambos, um pão de queijo, uma fatia de torta de bolacha, e cappuccinos médios. Conversamos, então, sobre o que teríamos que fazer em nossos trabalhos no dia. Eu lembrei, então, que teria uma reunião com investidores ao meio-dia, e não iria para casa almoçar. Você disse que não teria problemas. Que iria aproveitar então para pagar algumas contas, e encontrar um presente para sua mãe, que estaria de aniversário na semana seguinte. Terminamos nosso café, e voltamos a pé para casa. Nos beijamos em frente ao portão, entramos em nossos carros, e fomos cada um para o seu trabalho.
Tive um dia extremamente corrido. A reunião que teríamos no almoço seria decisiva para nossos novos projetos. Sentei com a equipe que participaria da reunião, e revisamos todos os tópicos, slides, memorandos, documentos. Passamos a manhã ensaiando o que seria o futuro de nossa empresa. Pouco antes da reunião, eu tremia. De ansiedade e medo. Mas, tentava me manter otimista e confiante. De certa forma, para um pessimista convicto, pensar daquela maneira estava ajudando no momento. Fomos ao restaurante marcado, eu e mais 3 colegas.
Os investidores chegaram logo após termos sentado. Três senhores, já de certa idade, porém charmosos, bem afeiçoados, e com semblantes tranquilos e simpáticos. Cumprimentaram-nos descontraidamente,  e sentaram-se também. Pedimos bebidas, e começamos a conversar. Expomos nossas ideias, e eles ouviam, estudavam nossos materiais, questionavam, mostravam-se realmente interessados e empolgados com nosso trabalho até o momento, e como pretendíamos expandir nossas atividades. Após uma hora e meia de bebidas, pratos, conversas, risadas, dúvidas, trocas de informação, um deles, que era  o que mais questionava, disse para preparamos os contratos, que eles com certeza, trabalhariam conosco. Não pude me conter de alegria. Riamos, nos abraçávamos, agradecíamos. Saindo dali, voltamos ao escritório, contarmos a novidade para os demais. Todos deram gritos e risos, e se abraçavam, e nos abraçavam, uma grande festa. Entramos em nossa sala, e começamos a revisar os documentos, e as propostas dos investidores,para elaborarmos os termos do contrato. Ficamos resolvendo isto por três horas, e então, próximo às 16:30h, decidimos ir embora. Tivemos um dia cansativo, e após o sucesso dessa reunião, nós merecíamos um descanso.
No caminho para casa, eu cantarolava toda e qualquer música que tocava no rádio. Mal podia esperar para te contar as novidades. Esperava que você ficasse tão feliz quanto eu, afinal de contas, esse seria o momento para melhorarmos de vida. Chegando em casa, me espantei. O portão estava totalmente aberto, e seu carro estava estacionado. Por que você já estaria em casa? Não sabia que sairia tão cedo do hospital hoje. Talvez, algum imprevisto tivesse acontecido. Ou mudaram o plantão dos cirurgiões. Bom, apenas descobriria entrando em casa. E assim o fiz.
Caminhando pelo corredor, escutava seus passos em nosso quartos. Eles estavam firmes, pesados. E você parecia chorar. Quando cheguei na porta de nosso quarto, paralisei com o que via. Fiquei estático, sem saber como reagir. Você, aos prantos, pegava suas últimas roupas do guardarroupas e colocava em uma mala. Eu fiquei parado na soleira da porta, observando, estarrecido. Então, você vira em minha direção. Seus olhos estavam completamente vermelhos. Seus lábios se retorceram, uma expressão de ódio e nojo, a me ver. Eu, então, entrei no quarto e perguntei o que você estava fazendo. Você dizia para eu não me fazer de imbecil, e enquanto organizava os sapatos sobre as roupas na mala, murmurava diversos xingamentos contra mim. Eu não conseguia encostá-la. Sentia-me como um personagem de Franz Kafka, sendo julgado e condenado por um crime que desconhecia. Comecei a chorar também, pedia para que não fizesse aquilo, para que conversássemos, para que não saísse de perto de mim. Você não me olhava, apenas continuava a murmurar os xingamentos. Fechou a mala, e levou as duas que fizera para a sala, quase me atropelando. Eu seguia atrás de você, soluçando extremamente alto, pedindo para que ao menos me dissesse o que fiz. Pedia desculpas por ter feito algo, que eu não sabia o que era. Você apenas deixou as malas próximo a porta da frente, e então, virou-se para mim. Eu mantinha certa distância, ainda não conseguia me aproximar, e silenciei. As lágrimas corriam pelo meu rosto. Você me olhou, de cima a baixo, e apenas disse:  “Não ouse vir atrás de mim”. Tirou a aliança de sua mão esquerda. Jogou-a na minha direção. Virou-se, pegou suas malas, colocou-as no chão do lado de fora, e bateu a porta, com extrema força. Eu, incrédulo, envolto em dúvidas e desespero, permaneci intacto. Sendo encarado, de maneira fria, pelo olho mágico da porta da casa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário