quinta-feira, 21 de maio de 2015

10 Padre-Nossos e 15 Ave-Marias

Foi ao entrar no carro. Esperei por vários dias, e várias negativas, até que você disse sim. Recorda? Por algum motivo, eu sempre soube. Algo em mim sempre dizia que eu deveria tentar, que eu deveria fugir, que eu deveria ficar, que eu deveria partir. Esse paradoxo interno, essa sensação de chegada e partida, essa sensação de que isso me construiria. De que você me destruiria. De que eu te amaria. Tudo isso - hoje percebo - eu já sabia. Sabia quando você entrou no carro.
Foi ao encostar minha perna na sua. Falamos tanto que secaram as gargantas. Todos os assuntos convergiam, as verdades se completavam. As histórias, a tranquilidade. Me senti seguro para ser sincero e para abrir os meus segredos, e a reciprocidade foi gritante. Eu te ouvi confessar, e te ouviria por horas. Seria eternamente pároco, e te pediria para orar ao meu lado as penitências após a confissão. Engoliria os teus pecados. Se perderiam nos meus. 
Foi ao olhar nos teus olhos. Tanto havia sido dito, havia tanto mais a se dizer. Sobre aquela mesa, todas as cartas lançadas. Baralho, tarô. Todas elas misturadas e escrevendo que o perigo se aproximava. Nós, inconscientemente, empurramos todas para o lado e a ignoramos, com telecinesia, no momento em que nos olhamos nos olhos. Pois, naquele momento, não havia mais o que dizer. Mamihlapinatapei.
Foi ao fazer um pedido próximo ao meu ouvido. Eu deveria ter negado. Deveria ter dito que não. Mas, ao entrar no carro, eu já estava entregue. Não havia por onde voltar.

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