segunda-feira, 25 de maio de 2015

O.N.I.

Sentiu esse frio? Sentiu? Não? Tá tão gelado que parece que vai congelar meus ossos, e ser possível quebrá-los com as mãos logo depois. Não tá sentindo?
Te percebi na noite anterior. Olhei para os lados, na casa estranhamente decorada com quadros tortos nas paredes e lustres grandes demais para o forro baixo, e ali dentro, já sabia: eu encontraria seus olhos no meu caminho, muito em breve. Eu te vi, sabia? E parece que reescrevi os mesmos passos da primeira vez em que te vi. Me senti incomodado na casa, me senti sobrando entre as paredes e as cores sem combinação cromática e as decorações démodé e os sofás mal posicionados e as pessoas com seus falsos sorrisos e suas relações de vitrine. Me senti fora. E me fui. E me fui e me encontrei na rua e o vento frio cortava a noite e escondia as estrelas em nuvens cinzas que já se tornavam negras e já se tornavam noite e tudo uma coisa só no emaranhado cósmico. Andando, peguei o caminho mais longe para voltar para casa, e resolvi que gostaria de errar o caminho e aparecer na sua, mas. Não. Resolvi esperar. Pois eu te sentia em cada esquina, eu te percebia em cada gota de orvalho. Te sentia no cheiro de chuva iminente, no toque do vento com a pele, nos faróis dos carros, nas patas do cachorro. E eu sabia, assim, que em breve você estaria no meu caminho de novo. Caminhando lento, cantando "all was golden in the sky, all was golden when the day met the night", relendo - em pensamento - as linhas das tuas mãos e as curvas do teu corpo, o teu sorriso suave e seu cabelo claro e fino, cheguei. Cheguei e me atirei nos meus lençóis como um predador sobre a sua presa. Me emaranhei entre edredons e travesseiros e angústias e receios e saudades e vazios. Vazios esses que preenchiam a maior parte da cama e que me engoliam. Enquanto me ninava - a ausência - com suas canções de despedidas, adormeci pesado e com o pavor preso na garganta. Mas, eu ainda te sentia. E isso me fez manter a calma, aguentar o peso, suportar o sufoco. Despertei sem sonhos, sabe? Prefiro não sonhar nos últimos tempos. As imagens que eu tenho recebido não tem sido das mais prazerosas para se ter enquanto suas defesas estão baixas. Prefiro adormecer no escuro. E despertei, desta vez, sem sonhos. Uma realidade dura e fria do emaranhado de edredons e lençóis e travesseiros e angústias e receios e saudades e vazios me acordou com um bom dia frio e mecânico do despertador, e me fez sentir o seu cheiro ainda mais próximo. Caminhei pelo dia, atravessei as portas trancadas, abandonei os meus fardos e tentei começar a manhã ignorando a sua presença, quase espectral, caminhando ao meu lado, quando, então, o espectro cria forma. A sua materialidade está cada vez mais próxima. Eu me perco em seu abraço, e quando você se vai, eu mergulho no teu perfume, impregnado nas minhas vestes, na minha pele, no meu rosto, no meu sorriso e na minha sobrevivência.

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