terça-feira, 22 de setembro de 2015

Resquícios Emocionais Pulverizados; ou o parágrafo para poder andar

Para ler ouvindo: Johnny Hooker - Amor Marginal


Chegar a este ponto foi mais complicado do que, necessariamente, te escrever algo e te dizer exatamente tudo que vai ser dito a partir de agora. Porque chegar a este ponto foi reconhecer, então, depois de passado tanto tempo, que todos os desvios do nosso caminho foram desenhados neste mapa conjugal de nós dois pelas minhas mãos, e de mais ninguém. Você saiu da trilha e construiu uma apenas para você porque afinal, durante todo esse caminho, eu criei atalhos que permitiam apenas uma pessoa passar por vez. Eu sempre ia primeiro e te deixava pra trás. E o pior, eu te proibia de sair da trilha principal, por saber o que você encontraria em outras trilhas. Fui egoísta e manipulador, e te mantive ao meu lado com cercas de arame farpado que eu cortava para poder pular e reconstruía logo após eu voltar, pelos pedaços escuros em que você precisava apalpar exatamente nas pontas afiadas da cerca para poder caminhar sozinho, pois eu não estava lá. Porque eu estava ocupado criando o meu mundo nestes atalhos, jogando o meu jogo de demagogia e desconstrução emocional, contabilizando mentiras e atitudes impensadas, enquanto você, mesmo com as mãos sangrando e os olhos cegos, só pensava em me construir castelos e me fazer teu rei. E quando eu voltava para o teu lado, e acendia as luzes nos túneis horríveis que nossos dias foram se tornando, eu não te via sangrar, eu não te via chorar, e eu dizia que você estava alucinando, que as tuas mãos não sangravam, que o caminho nunca esteve escuro, e que eu estava ali, ao seu lado, o tempo todo, mas você quem não queria ver. Destruía tuas histórias e ignorava tuas feridas para me fazer o vencedor de mais um jogo, trazendo as tramas e os emaranhados de roteiros tortos para dentro dos nossos caminhos também, inundando nossa trilha de sujeira e caos. Hoje, então, me questiono quantas cicatrizes carregas pelo corpo de todas as lâminas, arames e espinhos que tiveras que encostar enquanto você conseguiu aguentar essa trilha que se tornou um pesadelo, e que deveria ter sido bela, estruturada, e harmoniosa. Talvez você não acredite, mas chegar a este ponto e admitir que a trilha hoje continua negra e imunda, só que agora eu ando nela só, porque eu não fui capaz e não tive consciência de que eu deveria tê-la feito de forma totalmente oposta, e de que, sim, toda a culpa dessa destruição e de todas as suas cicatrizes deve recair única e absolutamente sobre mim, me destrói e me atormenta como um kharma que eu já pago agora e continuarei pagando por algumas vidas após esta. Já pensei, diversas vezes, em te mostrar que tudo agora pode ser diferente, de que eu estou disposto a implodir estes túneis imundos, drenar esta água suja, cortar os arames farpados, e reconstruir toda esta estrada. De que eu quero muito que você volte a andar comigo, de que desta vez eu sei que não posso errar. Te pedir isso, no entanto, seria de um egoísmo extremo, de crer que você ainda gostaria de andar comigo, e de que você voltaria sem sequer precisar pensar sobre. Por isso, não te peço que volte. Nem te peço que entenda, ou que me perdoe. Apenas te peço que saiba que eu me arrependo das marcas que eu deixei em ti, das que deixei também em mim, e de que eu percebi, então, que eu preciso continuar seguindo só, com os pés sujos de lama, e os olhos sangrando no escuro.

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