quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Aos Dias que Não Virão; ou sobre o esquecimento


Para ler ouvindo: Bastille - Oblivion


Se te escrevo agora, nos últimos segundos destes nossos últimos 365 dias, é para te deixar um recado, em único fôlego, como uma lufada de vento com o cheiro acre dos adeuses: Quando eu cair em esquecimento, pequena, talvez seja impossível me reencontrar. Tenho acompanhado de longe que as tuas vias tem se desviado de todas as trilhas que nossos pés galgaram juntos, aquelas que bem conhecíamos e que construímos durantes todos estes séculos de idas e vindas, nestas e em todas as outras vidas. Noto que a distância entre os teus novos passos e o lugar onde eu fiquei tem aumentado de tamanha forma que, por vezes, mesmo só te observando, eu perco o teu rastro e já não mais te encontro na multidão de novas formas e de novas existências que te acompanham por onde você começou a se aventurar. Qual o gosto da aventura sem mim, afinal? Se te apraz e se te conforta, não escrevo isso com tristeza, ou inveja, ou ciúmes, nem nenhum sentimento ruim. Te escrevo com nostalgia e com um pouco de gosto de lágrima no fundo da garganta. Gosto de lágrima, pois ainda está preso na garganta o choro da real despedida. Não que eu pretenda me despedir de ti, não. Não gosto da tristeza e do sufoco dos últimos abraços. Quando digo despedida, falo algo mais como uma despedida solitária, de quando eu, por acaso, olhar para o lado por mais alguns segundos, e ao voltar aos olhos para te observar de longe, não te encontrar mais. E então, vou perceber que você seguiu, e vou me despedir de ti, calado, solitário, e afagar minha própria nuca para me acalmar. Prometo, então, não ficar à espreita, te caçando em desespero, pois sei que, por mais que me esforce, eu não mais encontrarei nenhuma forma que eu reconheça no meio da metrópole de almas que se constrói e onde cuja minha entrada não teve permissão de visto. A partir de agora, pequena, você não mais assina meu passaporte. Não quero que chores ao ler isso, não desperdice as forças em mim. Sei que sentirás minha falta, e que a dor pode ser tamanha, mas sei também que você já encontrou um porto e em quem se apoiar, e que a minha falta que sentes é mais pelas memórias passadas do que pelos momentos que crês que ainda poderemos passar juntos. Talvez, pequena, seja essa a hora que você perceba que eu não me encaixo mais nos seus planos, e que devemos, mesmo, seguir. Que o nosso elo karmico está rompido, que existe uma vida nova pra seguir, e que quando acordarmos de novo, daqui há três séculos ou mais, eu não mais vou necessitar te escrever essa carta, e você vai encontrar outra mão pra segurar.

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