tag:blogger.com,1999:blog-62831377143599917212024-03-14T01:34:24.115-03:00A Máquina OrgânicaGabzhttp://www.blogger.com/profile/09215127965928400198noreply@blogger.comBlogger303125tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-57052266343212271242021-01-13T11:09:00.000-03:002021-01-13T11:09:50.022-03:00em linhas turvas<div>Nas tuas mãos eu entreguei o meu diário</div><div>O meu roteiro, planejou meu calendário</div><div>Ditou a vida que viria pela frente</div><div>Que isso seria o melhor, eu estava crente</div><span><a name='more'></a></span><div><br /></div><div>Você me errou quando eu não me via certo</div><div>E por sua causa eu não me tive completo</div><div>Por muito tempo acreditei nas tuas linhas</div><div>E rendi todos os meus dias à tua tirania</div><div><br /></div><div>Eu que fui tantos, nunca soube quem eu era</div><div>Fora dos palcos meus pedaços não se juntam</div><div>Eu machuquei minhas verdades mais secretas</div><div>Por sucumbir a uma vontade que era sua</div><div><br /></div><div>Fechei meus olhos pra ser guiado por espinhos</div><div>E quando abri eu só me enxerguei sozinho </div><div>Na marra eu vi que, ou me amava, ou já era</div><div>Ou sigo em frente ou me devora essa quimera</div><div><br /></div><div>Que são só minhas as vitórias e os acertos</div><div>E que seus dedos apontavam só seus próprios medos</div><div>Refletidos e estampados sobre a minha pele</div><div>Mas que não me cabem e por isso, não mais me ferem</div>Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-40461180933049526792020-10-20T14:30:00.001-03:002020-10-20T14:38:36.698-03:00o cheiro dos desencontros<p style="text-align: justify;"> já tem um tempo que eu tô tonta de tentar.<span></span></p><a name='more'></a><p></p><p style="text-align: justify;">tem um tesão que sai da carne, sabe? que exala um cheiro muito particular e peculiar, que só as duas pessoas envolvidas conseguem soltar, e sentir.</p><p style="text-align: justify;">eu te sinto constantemente, apesar de que suas certezas são tão inconstantes.</p><p style="text-align: justify;">sinto quando você nota a minha aparência, e faz algum comentário solto, se segurando pra não me elogiar. sinto quando você tem medo de beber por não saber se vai conseguir manter o controle quando já estiver ébrio. sinto quando você bebe, solta as amarras, desapega do mundo lá fora e vive o momento presente comigo. sinto quando você perde a linha e passa do ponto de misturar vários tipos de álcool e me olha no olho pedindo ajuda e cuidado. sinto quando pega meu cabelo de leve, enrola na ponta dos seus dedos, solta carinhosamente e depois fica acariciando a própria mão. sinto quando dança o que eu escuto, mesmo quando você diz que esse não é o seu tipo de som. sinto quando você sutilmente me toca, em silêncio, e mantém o toque, sendo alicerce e ao mesmo tempo apoiado. sinto quando você finge que não me ouve, que não me percebe, mas dá um sorriso pequeno e quase escondido no canto da boca que me mostra que você sabe que eu te sinto.</p><p style="text-align: justify;">e mesmo assim, você foge do caminho quando eu sigo na direção pra te encontrar. apesar de olhar pra mesma trilha que eu, você prefere ignorar esse trajeto e se manter em um que, você sabe, não há luz no final dele. que você segue desprotegido e indefeso apesar de acompanhado. que você desvia dos teus anseios para garantir uma estrutura que já está arruinada há algum tempo.</p><p style="text-align: justify;">e eu sinto constantemente por isso, com suas inconstâncias tão presentes e tão limitantes.</p><p style="text-align: justify;">e apesar desse tesão que há na carne sair claramente de mim, e eu saber que também exala de você, eu venho me cansando de estar envolvida em uma história que devia ser de duas pessoas, mas parece estar sendo só de uma.</p><p style="text-align: justify;">e é por isso que já tem um tempo que eu tô tonta de tentar. e quando eu cair desmaiada, não há rugido que possa me acordar.</p>Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-49307960622790157592020-09-22T12:05:00.001-03:002020-09-22T12:05:18.673-03:00a mão do carrasco é a minha<p>só eu sei o quanto eu quis que você me quisesse, quando nem eu mesmo me queria</p><p>você foi gosto na boca, olhar nos olhos, arranhão na mão, beijo no escuro</p><p>e também foi desejo distante, segredo velado, paixão platônica, amor unilateral</p><p>você esteve incompleto, mesmo quando eu estive inteiro, na medida do meu possível</p><span><a name='more'></a></span><p><br /></p><p>só eu sei o quanto eu quis que você me quisesse, quando nem eu mesmo me queria</p><p>quando eu não me olhava no espelho, e esperei que você me enxergasse</p><p>quando não havia amor de fora pra dentro, e eu entreguei tudo que havia de dentro pra fora</p><p>quando a solidão era preenchida por coragem pulverizada e noites sem dormir</p><p><br /></p><p>só eu sei o quanto eu sabotei de mim por viver algo sozinho</p><p>me perdi no personagem que criei pra fazer parte do seu roteiro</p><p>e nunca consegui ser encaixado no protagonista</p><p>virei a árvore na figuração</p><p><br /></p><p>me autodeprecio tanto para ser notado</p><p>que já nem sei mais se me odeio de verdade</p><p>ou se me autoflagelo e me destruo</p><p>pra que percebam em mim algo bom que eu nunca consegui</p><p><br /></p><p>só eu sei o quanto quis que você me quisesse, quando nem eu mesmo me queria</p><p>só eu sei o quanto eu aprecio ser querido, e preciso lutar constantemente pra acreditar que mereço</p><p>só eu sei o quanto eu quero me querer, pra poder querer quem realmente me queira</p>Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-30744597685595455642020-09-09T16:47:00.003-03:002020-09-09T16:47:01.107-03:00Téfnis<p style="text-align: justify;">chovia.</p><span><a name='more'></a></span><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">deitado em meu quarto, com as janelas gradeadas fechadas e a cortina entreaberta, eu apenas via relances de relâmpagos e ouvia o som forte da água contra o vidro.</p><p style="text-align: justify;">com a lâmpada acesa, passava os olhos pelo livro mas mal absorvia o conteúdo, voltando diversas vezes para reler o que havia se passado pelas páginas que estavam há meses repousadas no móvel ao lado da cama.</p><p style="text-align: justify;">gostava muito de ler, mas fazia muito havia perdido o hábito da leitura, e tentava muito retomá-lo, entendendo aquele momento como uma oportunidade de me desligar de toda a realidade, e da necessidade do foco e atenção que o livro tem, para que consiga construir toda uma história em minha cabeça a partir apenas de palavras, o que auxilia demais para que eu possa simplesmente esquecer e evitar as demais atribulações de minha mente.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">e enquanto transitava entre pensar demais, tentar absorver a história que estava lendo, e voltar alguns parágrafos, chovia.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">chovia forte, e eu desejei muito forte estar debaixo dela. tomar banho de chuva, sem nenhuma preocupação, e sentir aquela água lavar, por dentro e por fora, tudo que estava comigo naquele momento.</p><p style="text-align: justify;">um desejo quase que espiritual de entregar para a água corrente tudo que não mais me pertencesse.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">com esse pensamento, focado no som da chuva, adormeci. o livro em meu colo. a página, perdida. voltaria alguns parágrafos quando acordasse. a luz seguiu acesa.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">e lá fora,</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">chovia.</p>Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-51991980011281299272020-09-04T14:21:00.002-03:002020-09-04T14:21:45.774-03:00nó górdio<p> se só por hoje não doesse</p><p>ou só por hoje, eu não lembrasse</p><p>se apenas um dia eu esquecesse</p><p>se de uma vez eu apagasse</p><span><a name='more'></a></span><p><br /></p><p>se ao me olhar, fosse diferente</p><p>se ao me tocar, fosse totalmente confortável</p><p>ou ao pensar, não houvessem cicatrizes</p><p>se só de desejar, fosse tudo embora</p><p><br /></p><p>porque não vai embora</p><p>por que não vai embora?</p><p><br /></p><p>o caminho é pra frente</p><p>mas os tropeços são pra trás</p><p><br /></p><p>porque não vai embora</p><p>por que não vai embora?</p><p><br /></p><p>quanto disso ainda é meu?</p><p>quanto disso não é mais?</p><p><br /></p><p>quanto disso ainda é meu</p><p>porque eu ainda quero que seja?</p><p><br /></p><p>é só porque não vai embora</p><p>mas, por que não vai embora?</p>Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-46337007730528722382020-08-21T18:39:00.000-03:002020-08-21T18:39:25.742-03:00Estante de Retratos<p style="text-align: justify;"> Havia algo de errado no retrato de Filipe.</p><span><a name='more'></a></span><p style="text-align: justify;">Não sei se a foto havia perdido cor com o efeito do tempo, se as traças haviam corroído parte do papel, ou se a umidade distorceu levemente a imagem do jovem na foto, mas, ao olhar para ele depois de tantos anos, já não o reconhecia.</p><p style="text-align: justify;">"Mãe, vem ver. Não há algo de errado no retrato de Filipe?", gritei da sala, enquanto minha mãe estava na cozinha, que respondeu com um grunhido que tenho quase certeza que soou como "você tá ficando doido, menino".</p><p style="text-align: justify;">Filipe é meu irmão gêmeo. Mesmo dia, mesmo parto. A cara e o biotipo, totalmente diferente do meu. Bivitelinos. Sabe como é, duas placentas. Duas formações. Nenhuma semelhança física, menos ainda de caráter. Em comum só o dia de nascimento, o signo, e o segundo nome. José. Filipe e Guilherme José. Não, não é sobrenome.</p><p style="text-align: justify;">Eu fui o segundo, ele era o "mais velho", apesar de eu nunca concordar com esse conceito de considerar alguém que nasceu 13 minutos e 27 segundos antes de mim como meu irmão mais velho, e em consequência dar a ele esta suposta autoridade que um primogênito teria. Porém, ele conquistou isso sem muito esforço.</p><p style="text-align: justify;">Desde muito cedo, Filipe sempre foi o mais extrovertido. O mais divertido, o mais brincalhão. O primeiro bebê a dar risada, a responder aos estímulos de <i>gugu dadá </i>e caretas engraçadas no berço. Também puxou mais ao fenótipo da família de mamãe: mais esguio, mesomorfo, olhos bem pretos, assim como os cabelos cacheados. Assim que começou a andar, já gostava de correr, subir em árvores, brincar de bola.</p><p style="text-align: justify;">Eu, em contrapartida, sempre fui mais calado. Comecei a andar e falar depois de meu irmão, alguns meses depois. Puxei mais as características de papai: mais baixo, com mais acúmulo de gordura corporal que meu irmão, cabelos lisos e ruivos, e bastante sarda no rosto. Bastante <i>mesmo</i>. Mais introvertido, minhas atividades e minha diversão estavam nos livros, nos quebra-cabeças, nos videogames. Quando aprendi a andar, a minha maior aventura foi escalar a estante de livros de papai porque fiquei curioso por um tomo de capa vermelha brilhante que vi à distância. Não me recordo qual era o livro. Só me lembro do tombo.</p><p style="text-align: justify;">Por essas diferenças físicas e de personalidade tão gritantes, meu irmão nunca quis ser associado em sua vida social a mim. Quando entendeu que éramos muito diferentes, e que começou a desenvolver certa popularidade na escola, solicitou que fosse alterado de turma, para outra diferente da minha. Sei disso porque ele mesmo me contou. </p><p style="text-align: justify;">E não é como se eu não tivesse amigos. Eu os tinha. Mas, claramente, eram pessoas com interesses, assuntos, posturas e anseios completamente opostos aos de meu irmão e de seus amigos. E com estas pessoas, Filipe não queria ser associado. Muito menos a mim.</p><p style="text-align: justify;">Nosso pai falecera quando éramos muito novos. Tínhamos apenas 7 anos. Por isso, não tenho grandes recordações de como ele reagia a nossas diferenças tão gritantes. Mas sei como mamãe agia. </p><p style="text-align: justify;">Não posso dizer que mamãe preferia Filipe. Mas mamãe <i>se conectava mais </i>a Filipe. Antes de me evitar completamente, Filipe me provocava em casa. Me agredia, me assediava fisicamente. Eu pedia por socorro de mamãe, e ela dizia com voz de pouca autoridade "pare de incomodar seu irmão, Fil", enquanto mantinha os olhos vidrados na televisão assistindo à novela das 7. As vitórias e conquistas de Filipe sempre eram comemoradas, por mais que ele fosse um aluno pior que eu, tivesse notas piores do que as minhas, e constantemente fizesse com que nossa mãe fosse chamada para conversar na diretoria da escola. Meus projetos bem sucedidos eram recebidos com tapinhas nas costas que diziam algo muito próximo de <i>não fez mais do que sua obrigação</i>, já um bonequinho de palitos desenhado por Filipe era motivo de grande alegria e aplausos ininterruptos.</p><p style="text-align: justify;">Por não me sentir parte dessa casa, aos 17 anos fui embora. Estudei muito para conseguir passar em uma instituição federal na capital do estado, para cursar Economia. Escolhi o curso por realmente gostar do assunto, mas principalmente porque era um curso que não havia em minha cidade, e eu precisaria ir embora. Tive apoio de mamãe, inclusive financeiro, mas tinha como objetivo conseguir algum emprego para o contraturno e, o quanto antes, desenvolver certa independência financeira de minha família. No terceiro ano de faculdade, consegui efetivação de um estágio, e com esse dinheiro, consegui manter, sem necessidade de ajuda, uma vida sem luxos, com diversas privações, mas sem a menor necessidade de depósitos mensais de mamãe. Desde o terceiro ano de faculdade, não pisava na casa em que cresci.</p><p style="text-align: justify;">Filipe ficou em nossa cidade. Cursou Administração, e desde os 18 trabalhava na imobiliária da família com mamãe. Desde muito cedo, era óbvio que seria ele quem tocaria os negócios de nossos pais, que jamais seriam confiados a mim. Pouco soube dele desde que fui embora. Apenas que se tornara um chefe tão autoritário quanto mamãe, e que consumia grande parte do dinheiro que conquistava em excessos com bebidas e festas, que se iniciavam nas quartas-feiras e iam até domingo. Soube disso a partir de alguns amigos que ficaram em nossa cidade, e que me contavam espontaneamente. Eu nunca perguntei para saber.</p><p style="text-align: justify;">Raramente pensava neles. Desde o dia que me emancipei completamente dos laços financeiros que nos conectavam, não sentia a necessidade de pensar neles, nem com saudades, nem com rancor. Não esperava nenhum contato deles também. Nem no dia que compartilhávamos, Filipe lembrava em me dizer algo. Eu também não sentia necessidade de dizer algo a ele. Até o dia que sonhei com ele. 7 anos sem vê-lo, e o vi em um sonho. </p><p style="text-align: justify;">Então eu soube. Soube que teria ir até a casa de mamãe.</p><p style="text-align: justify;">Ainda estavam recuperando o carro do fundo do lago. Ele perdeu o controle, voltando de uma das festas que sempre fazia.</p><p style="text-align: justify;">Mamãe me recebeu com um abraço frio e rápido, haviam outros familiares na casa que já nem mais me reconheciam. Esse rapaz ruivo, gordo e de barba mediana.</p><p style="text-align: justify;">Fui até o móvel próximo da escada, o mesmo desde minha infância. Muitas fotos de mamãe e papai. Nenhuma minha. Apenas uma de Filipe, que demorei para reconhecer. Algo estava diferente. Havia algo de errado no retrato de Filipe.</p>Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-1236517137191078132020-08-18T20:07:00.000-03:002020-08-18T20:07:07.767-03:00escala desarmônica<p>se ele não te enxerga do jeito que você espera,</p><p>não é culpa sua</p><p>aqueles olhos podem não ler a história que você escreveu sobre vocês dois</p><p>em cada movimento, em cada toque, em cada chiste escondendo mil verdades</p><span><a name='more'></a></span><p><br /></p><p>se ele não te oferece o amor que você deseja,</p><p>não é culpa sua</p><p>não existe problema em seu corpo, em sua fala, em seu movimentar</p><p>não há conserto para o que está correto, não há afinação ideal para o concerto que é sua vida</p><p>sua sonoridade está harmônica, é ele quem não sabe apreciar a melodia</p><p><br /></p><p>se ele não se percebe como a pessoa que deve seguir o caminho com você,</p><p>não há vazio</p><p>você nunca precisou dele para estar completo</p><p>desde que você se encontrou, e se percebeu, você está preenchido</p><p>não da forma que te pediram, nem da forma que esperaram</p><p>de maneiras não ditadas, quiçá ainda nem descobertas pela humanidade</p><p>você se refez</p><p><br /></p><p>se ele não percebe como seria incrível caminhar ao seu lado,</p><p>não é culpa sua</p><p>e isso nunca irá te definir </p>Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-73981373986518153732020-08-12T11:47:00.000-03:002020-08-12T11:47:16.420-03:00uns e outros dias<p>uns dias, acordo sorrindo e não consigo parar</p><p>em outros, eu tremo de pânico e não dá pra controlar</p><span><a name='more'></a></span><p><br /></p><p>uns dias, eu morro de medo de ser quem eu sou</p><p>em outros, eu explodo de orgulho e quero que o mundo possa me notar</p><p><br /></p><p>uns dias, eu amo a vida e tudo que vou conquistar</p><p>em outros, eu penso em dar fim em tudo, de alguma forma que não doa tanto</p><p><br /></p><p>uns dias, eu amo sem medo, me jogo de cabeça sem temer consequências</p><p>em outros, me fecho sozinho, não fala comigo, eu não sou bom pra ninguém</p><p><br /></p><p>uns dias, eu superei tudo, os traumas se foram, o olhar é pra frente</p><p>em outros, eu abro o baú, resgato os fantasmas e os chamo pra conversar</p><p><br /></p><p>uns dias, eu caminho tão seguro que não existem obstáculos que possam me barrar</p><p>em outros, eu crio empecilhos, eu me dificulto, eu abro minhas próprias valas</p><p><br /></p><p>um dia, eu vou alcançar o equilíbrio</p><p>por outro lado, eu não tenho tanta certeza</p>Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-48856407203661138272020-05-06T14:09:00.000-03:002020-05-06T16:39:53.061-03:00Carta aberta para quem eu não quis ser<div style="text-align: justify;">
Se eu paro agora, 14 anos depois, e olho pra você, Gabriel, é porque eu não faço isso há muito tempo.</div>
<a name='more'></a><span style="text-align: justify;">Me entendo um homem gay desde os meus 14 anos. Por muitas vezes, sou perguntado: você sofreu pela sua sexualidade? Você tem traumas por ser gay? Teve situações muito fortes por causa da homofobia?</span><br />
<div style="text-align: justify;">
Não posso dizer que não sofri. Me recordo que, aos 12, eu sabia que havia algo de diferente em mim, e que eu queria mudar isso. Corrigir isso. Mas, com algum tempo, algum entendimento, e algumas pessoas que fizeram toda a diferença e influência positiva na minha vida, esta questão foi superada.</div>
<div style="text-align: justify;">
Também não posso dizer que a sociedade não tenha me reprimido por isso. Sei e reconheço que, por causa de minha sexualidade, fui obrigado diversas vezes a provar o meu valor de formas mais difíceis que um homem heterossexual teria para ocupar os mesmos espaços. Contudo, essa não foi a minha maior questão, nunca.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sempre quando sou perguntado sobre ter sofrido por causa de minha sexualidade, a minha resposta, em tom de brincadeira, sempre foi: “eu sempre gastei tanto tempo tendo complexo em ser gordo, que eu nunca tive tempo pra ter complexo por ser gay”. E essa é a maior verdade. </div>
<div style="text-align: justify;">
Se eu paro agora, Gabriel, depois de tanto tempo, e olho pra você, foi porque durante muito tempo eu não quis revisitar todas as dores e sofrimentos e repressões que eu sofri durante essa época.</div>
<div style="text-align: justify;">
São poucas e raras as lembranças que eu tenho da infância, mas eu sei que eu fui uma criança gorda, um adolescente gordo, e eu sei todas as coisas que eu ouvi e vivi por causa disso.</div>
<div style="text-align: justify;">
Eu me permiti, durante muitos anos da minha vida, viver relações extremamente tóxicas, abusivas, possessivas e controladoras, porque, ao menos, eu tinha alguém do meu lado. Meus amigos não entendiam o porquê de eu me permitir viver essas relações, sendo tão claro e explícito que as viver me fazia tão mal. </div>
<div style="text-align: justify;">
Eu me permiti, porque uma das lembranças mais claras que eu tenho da minha infância, é ouvir, dentro de casa, da pessoa que, teoricamente, deveria ter me dado o primeiro amor que eu deveria ter recebido de alguém, que eu jamais seria amado por alguém porque eu era gordo. Que uma pessoa gorda não tem como ser amada, que eu não teria pessoas perto de mim porque o gordo é feio, e ninguém gosta de estar perto de uma pessoa feia.</div>
<div style="text-align: justify;">
Portanto, qualquer namorado que eu tivesse, recebia automaticamente o direito de fazer o que quisesse comigo. Afinal de contas, se esse cara quis ficar comigo, ou eu seguro ou eu vou ficar sozinho pra sempre, por que quem vai querer esse garoto gordo?</div>
<div style="text-align: justify;">
Durante muitos anos, também, eu deixei de fazer e viver coisas por medo de errar. Por medo de fracassar. Por medo de ser julgado. Por medo de ser apontado. E tudo isso, porque eu também vivi, dentro de casa, uma pressão absurda para ser o melhor da escola. O melhor da sala. Eu não podia errar. Eu não podia fracassar. Eu já era uma criança tímida, sozinha, e gorda. Ao menos intelectualmente perfeito eu tinha que ser, porque senão, o que restaria para mim?</div>
<div style="text-align: justify;">
E no meio de tanta pressão, e tanto medo de estar sozinho e de fracassar, eu me tornei uma pessoa extremamente ansiosa. E a minha fuga, durante muito tempo, foi na comida. E aí, durante toda a minha adolescência, eu vivi esse ciclo de autodepreciação, de me odiar por ser gordo, porque assim eu aprendi, e de comer por estar ansioso, e aí voltar para o começo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Com o passar dos anos, eu emagreci, muito, depois, engordei e cheguei ao ápice do meu peso, e, hoje, eu estou como eu estou.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não posso dizer que, hoje, sou a pessoa mais feliz com o meu corpo. Em diversos dias, eu me sinto mal, eu não gosto de olhar pra mim, eu não me acho bonito. Em diversos dias, eu queria ser a pessoa mais magra do mundo, mas eu sei que a minha felicidade não está, nem nunca vai estar, nos números da balança e nas medidas do meu corpo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas sei, Gabriel de 14, 15, 16 anos, que eu preciso olhar pra você, preciso reconhecer você como parte da minha história, para poder amar o Gabriel, que vai fazer 30 logo mais nesse ano, ainda mais. </div>
<div style="text-align: justify;">
Nunca foi justo com você ouvir que você não seria amado. Que você não merecia ser amado por seu peso, ou por fracassar vez ou outra. Seu peso e seus fracassos nunca te definiram, e nunca vão te definir. Você mereceu ser amado. Você merece ser lembrado e celebrado com amor. Durante muitos, muitos anos, eu não te olhei. Eu não te celebrei.</div>
<div style="text-align: justify;">
Eu não te amei.</div>
<div style="text-align: justify;">
Se eu paro agora, 14 anos depois, e olho pra você, Gabriel, foi porque eu fui injusto e me envergonhei de você por tempo demais. E hoje, não importa o que pensem de você, eu te amo, e muito.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="JsGRdQ">Com muito carinho, respeito, e amor,</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="JsGRdQ"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
Do Gabriel de 29, para o Gabriel de 16.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-17589851223657386412020-05-04T18:35:00.000-03:002020-05-04T18:56:38.212-03:00reofílicafoi peculiar te diferenciar na multidão.<br />
<a name='more'></a><br />
enquanto todos pareciam tão focados em andar na mesma direção, e fazer os mesmos movimentos, com os mesmos objetivos, você se destacava.<br />
<br />
para eles, se destacava por atrapalhar o fluxo. por esbarrar nos ombros ao seguir na rota contrária, por precisar abrir caminho com as mãos entre os corpos enfileirados.<br />
para mim, chamava a atenção por não ter medo de mudar sua rotina, por ter coragem de continuar, mesmo ouvindo todas as ofensas - as sussurradas e as berradas - que eram lançadas a cada vez que você encostava em um corpo para seguir contrariando o grande grupo.<br />
<br />
era incrível, para mim, que te via de longe, a sua coragem e determinação em se lançar no desconhecido e continuar nadando contra toda a maré de pessoas que tentavam te encaixar na mesma sincronia não questionada.<br />
enquanto admirava sua fluidez em navegar por essa existência, notava pessoas que tentavam até segurar você pelo braço e te colocar na fila que seguia em uma marcha ensaiada em direção ao mesmo lugar, e me surpreendeu sua destreza em se desvencilhar e continuar a criar a própria batida da sua rota.<br />
<br />
ao chegar perto de mim, meus olhos brilharam, e por alguns segundos pensei em te acompanhar e criar um novo ritmo, cortar caminho pela diagonal e chamar esta nova perspectiva de um atalho todo meu.<br />
porém, eu fui só mais um ombro que você desviou. te perdi de vista, pois não podia olhar pra trás, para não perder o ritmo dos dias.<br />
<br />
um, dois, um dois.<br />
<br />
para frente, sem olhar para os lados.Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-36049857976238058762020-04-26T18:26:00.003-03:002020-04-26T18:27:17.959-03:00placebo<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;">
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hoje</div>
me apaixonei pelo atendente da farmácia<br />
<a name='more'></a></div>
<br />
tinha olhos castanhos claros</div>
cabelos e barba da mesma cor</div>
exceto uma pequena quantidade de pelos brancos no queixo</div>
<br />
não sei dizer qual foi o momento</div>
em que meus olhos negros encontraram os seus</div>
e que,</div>
depois de muito tempo,</div>
meu peito se sentiu preenchido</div>
<br />
o efeito foi rápido</div>
passageiro</div>
<br />
quando a conta estava paga,</div>
o fogo já tinha sido apagado</div>
<br />
não me esqueci dos olhos,</div>
e do jeito que nossas almas se encontraram</div>
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: x-small;"><br /></span>
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: x-small;">esqueci apenas do sentimento</span>Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-66305188790752991522020-04-24T11:44:00.003-03:002020-04-24T11:44:33.393-03:00O riso perdido<div style="text-align: justify;">
Da minha infância, tenho poucas lembranças claras. Fico bastante surpreso quando ouço pessoas dizendo que lembram de situações de quando tinham 3, 4 anos. Pra mim, todo esse período da minha vida é um imenso borrão. Um vazio que é preenchido por memórias de outras pessoas, que conviveram comigo nestes períodos e me relatam fatos. Construo minha história desta época com base nas verdades dos outros.</div>
<a name='more'></a><br />
<div style="text-align: justify;">
A partir dos meus seis anos, eu tenho algumas lembranças mais claras. Me lembro do meu primeiro dia no colégio novo. Desde que entrei na escola, havia estudado no mesmo lugar, porém, quando passei pro Jardim III (acho que nem usam mais esse nome hoje em dia), tive que estudar em outro lugar. Por ser uma criança extremamente tímida, eu estava com muito medo. Qual não foi o meu alívio quando, ao entrar na nova sala, encontro com uma colega da antiga escola que estudaria junto comigo. Uma das poucas pessoas que eu interagia na outra classe estava ali também, e este sentimento é muita lembrança muito forte pra mim. O alívio de não estar só.</div>
<div style="text-align: justify;">
Minhas lembranças desta época são fortemente baseadas em sentimentos. Houve esse alívio. Havia muito medo. Doses bastante elevadas de solidão também. Mas, uma das minhas memórias mais fortes é do dia que eu esqueci como sorrir.</div>
<div style="text-align: justify;">
Eu moro na mesma casa desde que nasci. Um condomínio de apartamentos, dividido em 12 blocos de 8 moradias cada, com bastante espaço verde e áreas comuns. No mesmo bloco que o meu, haviam dois garotos, gêmeos, com quem eu passei a maioria da minha infância. Nós tínhamos exatos 1 mês e 7 dias de diferença, então, basicamente, nascemos juntos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Vivíamos uns na casa dos outros, e foi na casa deles que consigo rememorar claramente este dia. Os meninos eram muito apaixonados por Jurassic Park, e nós assistíamos esse filme muitas vezes. Diversas dessas vezes era apenas o VHS rodando, as imagens passando, e nós ficávamos brincando sentados no tapete, e a trilha sonora eram os sons simulados do furioso tiranossauro rex. Neste dia, estávamos deitados no sofá, novamente assistindo Jurassic Park.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um dos meninos fez algo engraçado. Engraçado para uma criança. Fez alguma piada, soltou um peido, jogou algo no irmão. O humor mais simples e claro da infância, não me lembro exatamente o quê. Mas me recordo exatamente de vê-los rindo, e não conseguir rir. Como não conseguir rir? Eu tinha achado realmente engraçado, mas eu não sabia mais rir! Forcei um sorriso amarelo para participar do momento e não ser deixado de fora, mas em minha cabeça infantil este pensamento estava muito forte: eu esqueci como se sorri.</div>
<div style="text-align: justify;">
Durante os próximos dias, eu simulei diversas vezes. Ensaiava novas risadas, lia piadas, assistia os meus desenhos e tentava achar a graça, mas ela havia se perdido em algum momento da minha história. Lembro claramente que, durante algum tempo, o riso que eu emitia era apenas um simulacro de alegria para poder pertencer.</div>
<div style="text-align: justify;">
Com o passar do tempo, o riso foi tomando alguma normalidade. Mas, sempre com a dúvida se ele era sincero, ou se era apenas memória muscular de todas as vezes que forcei o riso para não ser o único a não participar do momento.</div>
<div style="text-align: justify;">
O riso de uma criança é o arquétipo mais comum da infância. A inocência, a diversão, o som gostoso da risada solta e sem filtros. Olhando em retrospecto, vejo que eu não pertenci a esse lugar. Não posso dizer que tive uma infância ruim. Longe disso. Me foram proporcionados diversos momentos incríveis, eu pude conhecer, ter, fazer coisas que eu tenho plena consciência que muitas crianças não tiveram. Reconheço e sou grato por todos os meus privilégios. Mas, me pergunto se não deixei de aproveitar e de recordar esses momentos por essa alegria que eu perdi. Por esses medos, por essa solidão, por muito da agressividade psicológica que vivi. Porque, em algum momento, eu esqueci como sorrir.</div>
<div style="text-align: justify;">
E olho agora para esse momento, e relato todos esses sentimentos, para que eu possa ter plena certeza de que, quando eu sorrio hoje, sejam sempre sorrisos novos. E não apenas a imitação de um movimento que eu criei para não transparecer que, na verdade, eu ainda não reaprendi.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-31323253328393608612020-04-23T01:26:00.000-03:002020-04-23T01:37:24.884-03:00o dia que eu deixei de te amarestava frio e cinzento<br />
<div dir="ltr">
<div>
<div>
<div>
no dia que eu deixei de te amar</div>
nublado, como dias de inverno sempre parecem ser</div>
as nuvens se acumulando nas bolsas dos olhos</div>
os trovões se espalhando nas paredes do meu estômago<br />
<a name='more'></a><br />
<div>
<div>
não me pergunte o que foi que você fez</div>
<div>
não foi nada</div>
<div>
e foram várias coisas</div>
<div>
<br /></div>
<div>
foram atitudes e escolhas suas</div>
<div>
somadas com decisões e ações minhas</div>
<div>
multiplicadas pelos meus medos e meus traumas</div>
<div>
e seu passado e suas bagagens </div>
<div>
potencializados pelas nossas características, nossas personalidades</div>
<div>
nosso caráter<br />
<br /></div>
<div>
no dia que eu deixei de te amar</div>
<div>
eu senti toda a dor de ter que te deixar ir embora</div>
<div>
porque eu sabia que sua falta eu sentiria</div>
<div>
assim como eu sinto em todos os dias que eu não te vejo</div>
<div>
mas ao mesmo tempo</div>
<div>
eu estaria liberto do sentimento de ter que sentir algo que eu já não sentia</div>
<div>
e de me forçar a esboçar palavras em minha boca</div>
<div>
que minha mente já não mais formava</div>
<div>
e que meu corpo não conseguia mais traduzir</div>
<div>
sentir sua falta hoje é necessidade de preencher os espaços físicos</div>
<div>
de completar as lacunas de carência</div>
<div>
mas não mais de querer ser enxergado como seu companheiro</div>
<div>
quando eu sei que a partir de hoje</div>
<div>
eu deixo de te amar<br />
<br /></div>
<div>
não quero que você se culpe</div>
<div>
ou se questione do que teria que ter sido feito diferente</div>
<div>
<br />
durante todo o tempo que passamos juntos</div>
<div>
fomos um casal, fomos uma só entidade</div>
<div>
e fomos várias pessoas</div>
<div>
nos moldando de acordo com as nossas necessidades</div>
<div>
e com os nossos desejos</div>
<div>
fizemos o que a regra pedia,</div>
<div>
quebramos todas as nossas próprias leis</div>
<div>
escrevemos a nossa própria história</div>
<div>
com prólogo,</div>
<div>
introdução,</div>
<div>
desenvolvimento,</div>
<div>
alguns apêndices,</div>
<div>
alguns clímax,</div>
<div>
diversas reviravoltas</div>
<div>
<br />
se eu sento agora pra te dizer que vá embora</div>
<div>
não é para desistir de si</div>
<div>
ou desistir de se feliz</div>
<div>
nem para desistir de mim</div>
<div>
<br />
se faço isso, é por saber que o que eu tinha para oferecer</div>
<div>
se esgotou nas últimas lágrimas, nas últimas discussões</div>
<div>
nas últimas vezes que ainda viver esta história</div>
<div>
me fez duvidar de mim, e de quanto eu me entreguei </div>
<div>
e que me fez começar a deixar de me amar</div>
<div>
para suprir um amor que eu talvez não tenha mais para dar</div>
<div>
<br />
se eu sento agora pra te dizer que vá embora</div>
<div>
é porque escrevemos a nossa própria história</div>
<div>
e como todos os livros que lemos</div>
<div>
é necessário que alguém pegue a caneta</div>
<div>
e escreva as temidas palavras</div>
<div>
o fim</div>
</div>
</div>
Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-83663718338364911242020-04-21T01:28:00.001-03:002020-04-21T02:02:46.542-03:00a lua cheia nunca fica bonita em fotos tiradas com o celularfoi ao procurar as fotos velhas e os nomes que já não lembro mais que encontrei o seu último cartão.<br />
<a name='more'></a><div>
dia 07 de junho de 2013.</div>
<div>
não foi o dia que nos encontramos. nos encontramos alguns dias depois. mas você já havia deixado o cartão pronto pois sabia que eu não aceitaria o primeiro convite. ou o segundo.</div>
<div>
te ignorei uns dias. te abandonei uns dias. não te esqueci em nenhum.</div>
<div>
das poucas vezes que nos encontramos durante os seis anos que nossas vidas coexistiram, numa profunda distância, nessa imensidão de intensidade, nós registrávamos.</div>
<div>
em todas as fotos, em todos os anos, nos poucos momentos, somos pessoas diferentes.</div>
<div>
registros incertos do que um dia nós nunca fomos.</div>
<div>
pinturas tortas por olhos que não conseguiam acompanhar o movimento.</div>
<div>
como algo muito, muito distante das lentes, as fotografias nunca ficaram nítidas na minha mente a ponto de eu entender o que é tudo isso.</div>
<div>
mas ainda assim, estão lá, todas as fotos, todos os registros.</div>
<div>
a carta que nem eu nem você escrevemos.</div>
<div style="text-align: right;">
<i>"cuide de você".</i></div>
<div style="text-align: left;">
quem vai poder se cuidar depois desse turbilhão? o que voltou no momento que olhamos pra dentro?</div>
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
por muitas vezes, me pergunto se minha vida parou no dia que eu entendi que você nunca me quis.</div>
<div style="text-align: left;">
e aí, eu desisti de mim.</div>
<div style="text-align: left;">
eu deixei de me querer também.</div>
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
foi ao ter tempo de revisitar todas as fotografias que encontrei o cartão do último dia que nos vimos.</div>
<div style="text-align: left;">
07 de junho de 2013.</div>
<div style="text-align: left;">
um pouco antes, um pouco depois.</div>
<div style="text-align: left;">
você ficou, você se foi.</div>
<div style="text-align: left;">
eu fiquei.</div>
<div style="text-align: left;">
eu me perdi.</div>
Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-69861428097782668902020-02-17T22:02:00.001-03:002021-04-01T22:44:06.553-03:00Carta de Fundo de Gaveta; ou a pantografia do seu futuro<p style="text-align: justify;">Quando <i>Gravity</i>, da Sara Bareilles, me vem à cabeça, você vem junto com ela. Como um trecho da música que nunca foi escrito mas sempre, sempre está lá no exato instante em que eu aperto o play. Assim como ouvir Jay Vaquer, Paolo Nutini, ou Carla Bruni. Você sempre está lá.<span></span></p><a name='more'></a><p></p><p style="text-align: justify;">Você está em vários lugares. Nas praças do interior do Paraná, nas ruas de Curitiba, nas histórias de Brasília, nas discussões políticas. Nas lembranças da adolescência e do começo da vida adulta, nos traumas de envolvimento, nas prolongadas desconfianças, na dificuldade de conseguir demonstrar amor, nas cicatrizes mais profundas. Você está lá.</p><p style="text-align: justify;">Quando falam de conexões, você está lá. De todas as vezes que eu tinha um dia péssimo, e você me ligava na manhã seguinte dizendo que havia sonhado comigo. Quando falam de mágoa, você está lá. De todas as vezes que eu acreditei que <i>dessa vez</i> seria a <i>minha vez </i>de poder andar de mãos dadas na rua com você, e que seria só a minha mão que você estaria segurando. Mas minha vez <i>nunca</i> chegou.</p><p style="text-align: justify;">O seu nome agora está gravado em uma aliança, que está vestida numa mão que definitivamente não é a minha. E eu desejo que você esteja feliz, honestamente. Que o fato de ter seu primeiro nome pantografado em uma jóia te faça ficar somente nessa história. Uma história por vez.</p><p style="text-align: justify;">Contudo, a aliança que poderia ter tido o meu nome segue guardada em alguma maleta de algum ourives, que jamais sonhou que um dia nós teríamos adquirido ela para consolidar algum capítulo de toda essa odisseia.</p><p style="text-align: justify;">A jóia segue arquivada em uma gaveta, assim como essa carta, e todas as outras que nunca chegaram a você.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;"><span jsname="YS01Ge" style="background-color: white; color: #202124; font-family: arial, sans-serif; font-size: 14px; text-align: left;"><i>Something always brings me back to you</i></span><br style="background-color: white; color: #202124; font-family: arial, sans-serif; font-size: 14px; text-align: left;" /></p>Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08827320474797106767noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-37314374377691684252020-01-28T22:27:00.001-03:002020-01-28T22:27:18.909-03:00eu te vi<div style="text-align: justify;">
os olhos dela me lembravam que um dia eu fui feliz.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<a name='more'></a><br />
<div style="text-align: justify;">
por aquela porta, com passos curtos, ela entrou lentamente. apesar do dia quente, beirando os 104 graus farenheit, ela vestia calças compridas, escuras, de um tecido que se assemelhava ao veludo, e um moletom cinza uns 3 ou 4 números maiores do que ela deveria usar. usava botas de salto grosso, que normalmente fariam algum som no atrito com o piso de madeira. mas ela não. os seus passos não faziam sons, ela passava quase despercebida no salão repleto de pessoas sentadas envolvidas com os seus próprios problemas-smartphones-questões-umbigos.</div>
<div style="text-align: justify;">
e quando digo quase despercebida foi porque, sem que ela notasse, pois olhava fixamente para baixo, eu a havia notado. havia notado que, apesar das roupas largas, ela era uma moça magra de estrutura pequena, e que seus cabelos até o ombro caiam de forma desordenada em sua testa, em uma franja que um dia foi cortada em diagonal mas agora já havia perdido o corte, e que a parte que caía em seu olho direito a incomodava demasiadamente, sendo retirada dali rapidamente com a mão, para então novamente cair sobre o olho. havia notado que levantava os olhos poucas vezes, à procura de uma ajuda-garçom-atendente-atenção-socorro que a dissesse se havia uma mesa para que pudesse sentar e talvez tomar um chá uma refeição um copo d'água. qualquer coisa, apenas queria sair do meio daquele salão. a sua lentidão, então, não me transmitia calma, mas desespero.</div>
<div style="text-align: justify;">
ela seguiu andando até o outro lado do salão, levantando o rosto rapidamente e verificando se haviam mesas vazias, mas ela sabia que mesa pra um não tinha espaço nesse lugar repleto de pessoas solitárias em grupo. ela procurava um espaço qualquer para sentar e pedir o menu e verificar qual seria a opção que saciaria o seu vazio.</div>
<div style="text-align: justify;">
seguiu andando, e chegou até a minha mesa. olhou para um lado e para o outro, e me viu sentando só. uma pessoa solitária sem grupo. em uma das vezes que ela levantou o rosto, me permiti sorrir. esperava que sua reação fosse de susto-espanto-nojo-pânico. para minha surpresa, sua fronte se iluminou, sua cabeça se ergueu, a franja parou de cobrir o olho direito, e ela também sorriu. pude, então, ver seus olhos, e percebi que, apesar de transparecerem imenso cansaço, eram belos, castanhos, e cheios de vida. parecia que conhecia aqueles olhos, de algum passado distante, de alguma memória confortante, de algum lugar seguro. os olhos dela me lembravam que um dia eu fui feliz.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
perguntei se ela gostaria de se sentar.</div>
Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08618598099121616490noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-48345550437062958942019-04-23T07:57:00.002-03:002019-04-23T19:43:14.601-03:00Ventos furiosos a mais de 120km/h<div style="text-align: justify;">
Tudo que eu não esperava ao final daquele dia era um furacão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Enquanto vasculhava o porão a procura de coisas que deveriam ser encaixotadas e do que eu poderia simplesmente jogar no lixo, ouvindo Morrissey bem baixinho para quebrar o silêncio, começou de longe o barulho do vento. Apenas uma chuva de final de verão, eu pensei, apesar de já ser outono.</div>
<a name='more'></a><br />
<div style="text-align: justify;">
Abrindo as velhas caixas, as coleções de livros que um dia pertenceram a familiares que nem estão mais por aqui e que a única coisa que puderam deixar de herança foram sequências de volumes em capa grossa, os discos de vinil com encartes lindos e que nunca foram escutados porque nunca foi prioridade comprar uma vitrola, as roupas de inverno que foram ali armazenadas para colocar no sol mais tarde mas que nunca mais viram a luz do dia, tudo isso enquanto cantarolava <i>all the rainbows in the sky start to even say goodbye you won't be seeing rainbows anymore</i>, e lá no fundo, o barulho do vento intensificava.</div>
<div style="text-align: justify;">
Qual não foi a minha surpresa quando tive a sensação de que o vento estava <i>dentro </i>da nossa casa. Ali, no porão, me senti protegido, mas temi por você no andar de cima. Me perguntei o porquê de não ter vindo até o porão se proteger, quando viu essa ventania forte se aproximando pela janela. Me questionei se você preferia o tufão a minha presença, e a sua ausência se fez resposta. Maior susto tomei quando as lâmpadas estouraram e fiquei num completo breu. A minha música parou de tocar, eu não mais cantarolei. Em silêncio e escuridão, apenas ouvia parede por parede e móvel por móvel de nossa casa sendo triturado e mastigado pelo vento furioso que estava sobre o chão acima de mim. E me perguntava se você havia corrido, se havia fugido, apesar de não ter ouvido o barulho do carro e o estacionamento ser exatamente em cima da entrada do nosso porão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não sei se minutos ou horas depois, tendo visto que o pânico e o inesperado tiraram totalmente a noção de tempo que eu poderia ter, o vento parou. O furacão saiu de nosso terreno. Respirei profundamente algumas vezes antes de levantar a tampa do porão e ter coragem de verificar o estrago que havia sido causado.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os pilares de nossa casa se mantiveram em pé. Todo o resto havia se desfeito. Sem me preocupar pelos bens materiais, a primeira coisa que fui procurar foi você. Não haviam sinais, apesar do carro estar ali, embaixo de alguns escombros. De alguma forma, você havia conseguido escapar em meio à todo aquele caos. Respirei aliviado, apesar de não saber qual tenha sido o seu destino, e algum tempo mais tarde saberei que nunca mais terei ouvido falar em você. </div>
<div style="text-align: justify;">
Em meio aos escombros, sabia que nada mais seria recuperado, e tudo que se salvou eram as coisas do porão. Aquelas que estavam lá esquecidas, inutilizadas, e prontas para serem jogadas fora. Querendo apenas sair daquele lugar, removi as tábuas e telhas que recaíram sobre nosso carro, para verificar se seria possível me afastar daquelas ruínas e ir a algum lugar para poder repensar tudo que havia acontecido. Reconstruir a casa em outro lugar, recomeçar os dias do zero. Como sempre, as chaves estavam na ignição. Porém, o que me chamou a atenção foi o bilhete que estava sobre o banco, que, com letras feias de quem escreveu com muita pressa, dizia "it's hard to see I loved you better when I didn't have you".</div>
<div style="text-align: justify;">
It's hard to see I loved you better when I didn't have you. </div>
<div style="text-align: justify;">
Parado sobre os escombros, ao lado do carro com para-brisas destruído e lataria amassada, eu digeri aquela frase, e tudo que aconteceu no dia de hoje. Eu não esperava este bilhete. Eu não esperava que você fosse desaparecer de mim para sempre. E, principalmente, tudo que eu não esperava, definitivamente, era um furacão.</div>
Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08618598099121616490noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-18403805388779656952018-12-27T15:26:00.000-02:002018-12-27T15:28:26.536-02:00frequênciastudo começou no desejo de bom dia, quando o dia estava maisoumenos.<br />
quando me lançaram um "tudo bem?" mas não esperaram para receber a resposta.<br />
<a name='more'></a><br />
quando esperaram um sorriso mesmo com os músculos do rosto não tendo forças nem pra pedir por socorro.<br />
quando passaram batido pelo rosto abatido de quem não sabia como se salvar do seu autonaufrágio.<br />
quando sentiram as ondas do grito mudo ao olhar para os olhos sangrando e deixaram a vida se ocupar de deixar tudo melhorar.<br />
<br />
tudo começou no desejo de bom dia quando o dia estava uma destruição.<br />
quando me lançaram um "tudo bem?" correndo pelos corredores, mas sem a real intenção de ouvir que não. não tava tudo bem.Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08618598099121616490noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-72631161618238059092018-11-29T11:40:00.001-02:002018-11-29T11:41:08.365-02:00Um Drink ao TempoUm copo vazio e um cheio repousavam em cima da mesa de madeira maciça.<br />
<a name='more'></a><br />
O homem olhava intensamente para os olhos da mulher cuja juventude florescia à sua frente.<br />
A mulher olhava intensamente para as rugas na testa do homem que envelhecia dolorosamente à sua frente.<br />
Uma mão se estendeu até o copo cheio e o levou até a boca, tomando-o completamente.<br />
Um corpo sem vida despencou sobre a mesa de madeira maciça com um estrondoso baque.<br />
Uma boca formou um sorriso discreto em seu canto direito antes de começar a gritar por socorro.Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08618598099121616490noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-86368941455964296632018-08-21T23:43:00.004-03:002018-08-22T11:08:54.458-03:00canção antiga em lábios novos<div style="text-align: justify;">
<i>"at this time, I wanna be the one who leaves".</i></div>
<div style="text-align: justify;">
a pior coisa foi entrar numa relação já pensando em como seria quando ela acabasse. já <i>sabendo</i> que essa história tinha data de validade e que acabaria de uma maneira que machucaria a nós dois de formas que jamais esqueceríamos.</div>
<a name='more'></a><span style="text-align: justify;">mas como isso já estava claro e bem definido, eu tive uma certeza. eu queria ser a pessoa que vai embora dessa vez. com a minha melhor interpretação de Alice Ayres, as linhas </span><i style="text-align: justify;">"I don't love you anymore, goodbye"</i><span style="text-align: justify;">, dessa vez, teriam que ser minhas.</span><br />
<div style="text-align: justify;">
cansei de todos os relacionamentos falidos e machucados na minha pele como estigmas do meu fracasso, em que a última chicotada, aquela mais dolorida, é desferida contra mim. cansado de olhar para a porta e ver o outro indo embora, e eu aninhado na cama com dor em todo o meu corpo observando os passos daquele que se distanciava.</div>
<div style="text-align: justify;">
dessa vez, <i>I wanna be the one who leaves</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
eu quero ser o que diz que aquilo já não faz mais sentido pra mim. que o que eu recebo é menos do que eu espero pra pensar em viver feliz do lado de alguém. eu quero poder dizer que eu estou indo embora e que desejo que seja mais feliz com o que aprendeu dessa relação. eu quem quero dizer "cuide de você".</div>
<div style="text-align: justify;">
com o passar dos meses, comecei a acreditar que isso seria uma verdade. comecei a cansar de ter que pedir para que parasse de me tratar como um fantasma daquele que você deixou para trás. ou de ter que ouvir contigo todos os álbuns de uma cantora britânica que o nome eu nem sei pronunciar, mas ouvir o primeiro verso de qualquer música do Ney já ser motivo pra você torcer o nariz.</div>
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comecei a não gostar mais de ter que pedir pra fazer parte da sua vida, de pedir atenção e, às vezes, ter até que expor a minha carência porque eu realmente estava recebendo muito menos carinho do que uma pessoa normalmente receberia na mais fria das relações.</div>
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mas, perto da data final da validade que veio no frasco, o que mais começou a me frustrar foi a certeza de que eu não seria aquele que vai embora. mais uma vez, você passou a dar indícios de que era você quem iria dar o primeiro passo e atravessar a porta. no exato momento em que, assim como todos os outros, apontou para mim os meus traumas e meus defeitos, e, sem respeitar tudo que eu mais tenho medo, me obrigou a pedir desculpas por eu ser quem sou.</div>
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e mais uma vez eu fico, com as cicatrizes na pele, olhando outra pessoa partir me apontando pelos fardos que eu nunca pedi pra carregar.</div>
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dessa vez, passou.</div>
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da próxima vez, <i>I wanna be the one who leaves.</i></div>
Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08618598099121616490noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-71494058780284789462018-08-07T21:13:00.000-03:002020-01-28T23:36:36.900-03:00O cheiro da minha pele vai ficar pelas paredesQuando tocar o último fado, meu amor, eu vou embora. A melodia triste vai ter gosto de adeus quando a guitarra portuguesa entoar o seu último acorde. A canção parece ser mais longa do que eu esperava, mais curta do que você queria, mas assim que o tempo dela chegar, antes ou depois do que desejavam nossos corações sangrando, eu vou embora.<br />
<a name='more'></a>Tamborilo os dedos na mesa ao ritmo das notas doloridas e sinto pedaços de madeira me arrancando a ponta dos dedos com a mesma lentidão que os teus soluços atravessam a sala cheia de móveis e vazia de nós dois. A chuva lá fora arrebenta as pedras na rua e dilaceram os transeuntes, com a mesma intensidade que a tua ansiedade do que virá depois de hoje corrompe os teus pensamentos, com a mesma potência que o teu medo do que vai acontecer quando a canção acabar.<br />
Quando tocar o último fado, querida, eu vou embora. E cada história que vivemos ficará pelos cantos da casa que passará a ficar sozinha. Hoje, daqui, sairemos os dois, deixando os móveis que não são nossos, as toalhas que não queremos, os sonhos que não concretizamos, as mágoas que não couberam nas malas, as meias que perderam um pé. Ficam aqui os fantasmas de quem nós fomos, em todos os períodos do que vivemos.<br />
Um pedaço daqueles jovens amantes, que fugiram de tudo e de todos para viver um amor que ninguém aceitou. Os espíritos daqueles planos de conquistar o mundo, e trazer o verão pra sala e fazer daqui o paraíso, a nossa praia, o nosso Caribe particular. Os novos moradores ouvirão nossos gemidos altos da primeira vez que transamos no sofá da sala com a janela aberta, sentindo o medo e a excitação de que talvez os vizinhos nos vissem lá da rua.<br />
Residirão também os resquícios das primeiras tristezas, das primeiras lágrimas, das discussões acaloradas sobre as contas a pagar, sobre os olhares para outros corpos, sobre o que não concordamos em fazer no jantar, e sobre as verdades que desconhecíamos um sobre o outro e nos foram reveladas na convivência desse lar. Nos dias de tempestade, os novos moradores desta casa ouvirão meus socos na parede, e o som das louças que você quebrou arremessando pela cozinha.<br />
Espero, de coração, que os novos moradores desta casa não exorcizem os fantasmas que deixaremos para trás, e que sejam amantes de perfumes e de música portuguesa, pois o perfume das tuas flores exalará para sempre através das janelas da sala, o cheiro da minha pele vai ficar pelas paredes, e a última nota deste fado vai ecoar para sempre pelos cômodos do lar que abrigou a vida conjunta que acaba de acabar.Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08618598099121616490noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-2816874386673469292018-07-25T13:57:00.000-03:002018-07-25T14:19:57.149-03:00desespero<div>
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se eu decido por deixar que os dedos fluam</div>
em prosas, contos, poesias</div>
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e permito que as palavras escapem do meu mundo privado</div>
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para um ambiente que eu já não possa mais controlar </div>
é porque minha alma está inquieta </div>
querendo gritar</div>
mas me colocam a mão na boca</div>
pra me forçar a silenciar Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08618598099121616490noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-77505038926611040972018-04-09T22:08:00.004-03:002020-09-09T00:28:17.990-03:00CoaguladoTodo o tempo de silêncio me deixou a boca seca. Os lábios tão cerrados que acreditei terem sido costurados pelas aranhas que passearam por cima de meu rosto durante todas essas incontáveis horas.<br />
<a name='more'></a><br />
Reviver feridas é cruel e ao mesmo tempo revigorante. É como se, ao tatear os queloides espalhados pelo meu corpo, estivesse lendo em braile cada pedaço de horror que me destruiu lentamente, e que, ao mesmo tempo, me desenvolveu um escudo de pele morta que me ajudará a impedir o próximo ataque.<br />
Me lembro das primeiras navalhas que tocaram minha inocente pele, com marcas de vergonha e repreensão, me silenciando pela primeira vez dentro do que era considerado errado. O erro faz parte de mim como um gêmeo siamês, e as minhas verdades são ofuscadas pelos filtros alheios desde então.<br />
Sinto ainda hoje queimar todas as fagulhas de ódio e de descrença as quais eu fui exposto. Fogueira acesa por mim. Fogueira acesa por outros.<br />
Recordo com clareza da origem das cicatrizes no rosto. As unhas arranhando minhas bochechas, os socos desferidos no nariz. Conforme desço pelo meu corpo, sinto novamente as mãos sufocando meu pescoço e o cheiro de sangue podre que escorria da boca que esbravejava tudo aquilo que eu nunca mais quero voltar a ouvir. Como uma música ruim cantada muito alta diariamente ao pé do meu ouvido.<br />
Contudo, apesar das marcas profundas que você vê, hoje, espalhadas pelo meu corpo, posso te garantir que a cicatriz que mais dói é ainda sentir a mão que forçou minhas verdades garganta à dentro e calou à força os sentimentos do meu coração.<br />
Rasgando as teias e puxando com força o ar, te trago uma única verdade: hoje não, hoje ninguém vai me calar.Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08618598099121616490noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-35270239934341337242017-06-02T20:21:00.001-03:002017-06-02T20:21:49.260-03:00Feito Rochas nas EncostasOs três copos permaneciam intactos sobre a mesa.<br />
<a name='more'></a>Olhando para as próprias mãos, ela tremia, apesar da temperatura não estar tão baixa.<br />
Uns 21ºC.<br />
Sozinha na mesa, ela aguardava e tremia.<br />
Três batidas fortes na porta. Algo que parecia um soco na parede.<br />
Os três copos permaneciam cheios de vinho sobre a mesa.<br />
O som seco ecoava dentro da casa vazia.Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08618598099121616490noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6283137714359991721.post-67009342398536045742017-05-09T07:41:00.004-03:002017-05-09T07:42:24.696-03:00Pra fazer parte da mobília<div style="text-align: justify;">
A corda estava ali, pendendo do teto, já fazia alguns meses. Já havia se tornado uma peça decorativa do quarto, apesar de sua cor clara e seu aspecto quase mofado destoar absurdamente das peças de marfim, um pouco gastas, que constituíam o mobiliário do quarto.</div>
<a name='more'></a><span style="text-align: justify;">A corda estava ali esperando o momento certo de ser usada. O momento certo, não. A coragem certa, essa é a palavra correta a ser utilizada. Fazia muito tempo que as coisas haviam perdido a direção. Mas maior que a venda que cobria os olhos para conseguir enxergar um caminho menos espinhoso para continuar caminhando, era a agonia do durante. Asfixiou-se uma vez, quando criança, debaixo d'água, quando tentava aprender a nadar no mar, e desde então a sensação de perder a respiração era algo que o deixava com um pavor imenso. Ou quando prenderam sua cabeça debaixo de um travesseiro enquanto socavam seu estômago. Experiências de tirar o fôlego. Literalmente.</span><br />
<div style="text-align: justify;">
Apesar deste agravante, contudo, a corda continuava ali. Pendendo do teto. As convenções sociais já não mais pareciam possíveis, de um tempo pra cá. O velho sorriso que aprendera a carregar para todos os lados desde o dia em que, quando criança, esqueceu-se de como era rir, já começava a mostrar rachaduras nos cantos e ficar bem pouco crível. As conversas eram tão vazias que os silêncios duravam horas. Às vezes dias. E as pessoas tão distantes e deslocadas de sua realidade que ele nem via mais motivo pra retornar o diálogo. Pra responder um "tá tudo bem?" por pura educação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Não, não tava tudo bem, porra. Não tá tudo bem há muito tempo, mas você realmente não quer saber. Então, pra quê pergunta? Não tá tudo bem, tem uma corda pendurada no meu quarto e um currículo de partes deterioradas deixadas pelo caminho que já não mais se reconstituem. Não tá tudo bem, não precisa perguntar.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
Se for pra responder um "tá tudo bem?" por pura educação, ele preferia não responder. E seguia andando.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os estímulos agora eram apenas de viver a própria rotina, voltar para o quarto com móveis de marfim um pouco gasto, deitar-se na cama que já tinha perfeitamente o formato de suas costas, e permanecer ali em seu pequeno coma diário aguardando um novo dia nascer para que o cotidiano possa o engolir durante uma média de 10 horas diárias. Poucas as perspectivas de sair deste ciclo. Em partes pela sua já conhecida falta de coragem, e também porque poucas das vezes em que procurou pisar fora da trilha já estabelecida, deparou-se com ainda mais fracasso. Só mais um pá de terra pra aumentar a sua cova. Agarrava-se, então, nas paredes terrosas do buraco, e ainda mais sujo e arranhado, voltava para o caminho original.</div>
<div style="text-align: justify;">
E assim, seguia. Com a capacidade de crer em si mesmo cada vez mais abalada e rota, a corda continuava ali. Pendendo do teto. Com o nó já preparado para se fechar, e quando isso acontecesse, ele teria o tamanho exato do seu pescoço. Talvez só um pouco mais forte. Só aquele último abraço que seria, talvez, um pouco sufocante.</div>
Gabriel Pasinihttp://www.blogger.com/profile/08618598099121616490noreply@blogger.com0