Se houvessem dias. Carrega o meu peso, menina. Me ajuda a levantar. Se houvessem dias como os antigos, sozinho me levantaria. Minhas pernas perderam a esperança, menina. Desaprenderam a caminhar. Meu corpo preciso de escora. Minha alma pede esmola, menina. Sente pena de si. Menina, não tenha pena de mim. Não queria que fosse assim.
Me arrebatei em versos velhos. O sopro do teu vento me carregou pra longe, menina. Pra longe de mim. Me vi dobrar em mil partes, e mordi minha pele pra fazer correr o sangue. Gelado. Nu sobre tua praia, senti a areia das tuas unhas atravessando minha pele frágil. Eu saltei do teu píer, menina. Mergulhei nas tuas águas turvas. Vem, me ajuda. Eu não sei nadar.
Recordo os dias, menina. Antes de te perder na esquina movimentada entre a Paulista e a Consolação, engolida pela onda de corpos furiosos. Você se afogou na multidão. Eu não encontrei teu farol. Mas eu recordo bem, menina. De te levar pela mão, e te entregar as flores que colhi, e que tem a cor dos seus olhos. Recordo de cantar no teu ouvido, a música que escolhi pra te arrancar da tristeza, e que dizia: "Honestamente, eu quero te ver ser corajosa". Te dei a coragem. E agora, a minha, cadê?
Você levou os meus dias, menina. Me fez esquecer o gosto de um bom livro. De um filme em preto e branco. Me fez perder até a vontade de ouvir um bom disco, um sambinha, e o velho rock'n'roll. Minhas forças se esgotaram, menina. Eu me rendi ao meu passado. Minhas lembranças, se esvaem a cada dia. Recordo pouco os dias. Com mais clareza, lembro dos dias em que você esteve aqui. Mas eu estou a mercê da minha dor, menina. Eu desaprendi a caminhar.
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