domingo, 23 de fevereiro de 2014

Jornada


Eram longos os dias. Eram longos os dias atrás daquelas paredes cinza, já levemente descascadas, com teias de aranha nos cantos do teto, aqui e ali, e com manchas de mofo no teto, resultado das diversas goteiras acumuladas com o passar do tempo, e cujas telhas nunca foram trocadas para sanar o problema. Quando chovia, parecia haver mais água dentro do cômodo do que fora, e a correria geral para tirar os papéis e as máquinas e os fios do alcance da água escorrendo, incessante.

Eram longos os dias. Maçantes, também. Desejava, a todo o momento, que o dia acabasse logo, que aquele relógio que ficava ao alcance dos meus olhos e que tiquetaqueava seus ponteiros com um som alto demais, os braços já cansados com o tempo que estava ali, passasse a correr, e não se arrastar pelos números já desbotados no painel de acrílico. Eu só queria ir embora. Só queria, descolar minha bunda do meu assento e largar os papéis sobre a mesa e passar por aquela porta e.
E?
E aí, sem saber o que fazer, para onde ir, eu encontrava mais um documento para digitar, mais uma conferência para fazer, mais uma agenda para cumprir, e que era inadiável, sim, inadiável. Eu não poderia deixar isso para amanhã, não. Na verdade, poderia, mas. Se eu saísse dali, o que eu faria? Voltar para casa, talvez. Mas pensar em voltar para a casa, me causa uma certa tristeza, uma melancolia, uma solidão. A mãe e o gato morreram no mesmo dia. O gato, atropelado. A mãe, de tristeza. O único morador da casa que ela amava, acabara de morrer. Ela não tinha mais sentido. E aí, entrar em casa e ficar mirando os portarretratos da mãe já falecida, dos irmãos que nem sei se ainda vivem também, e do gato persa atropelado e estraçalhado nas rodas de um Chevette 82, me causavam uma tristeza tão grande, que eu encontrava mais razões para ficar mais um pouco.
Eram longos os dias. Eram bastante longos, e maçantes, e cansativos. Os móveis, aqui, já estão todos velhos, carcomidos pelo tempo e pelo uso. Os uniformes cinzas se mesclavam aos rostos cinzas e aos cabelos grisalhos e aos olhos sem vida, e tudo era tão mecânico que tornava todos os dias a mesma coisa. Mas, ainda assim, ali eu me sentia mais. Mais. Mais seguro, talvez. Tudo fora dos meus papéis e dos meus arquivos e dos meus mofos e das minhas aranhas que tinham até nome e me liam os pensamentos e confidências, tudo além disso me soava tão hostil e colorido demais e perfumado demais e limpo demais e assustador demais. Então, eu me dedicava a ficar um pouco mais aqui. Um pouco mais. Porque, de verdade, é inadiável. Eu não posso deixar isso para amanhã. E digitava mais um documento. E outro, e outro. Até deixar cair o rosto, de cansaço, nas teclas da velha máquina de escrever, e adormecer. Para, então, acordar para um outro dia. Para mais um longo dia. Afinal, eram longos os dias.

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