Se eu não voltar hoje, querida, não coloque meu rosto na caixa do leite. A minha intolerância a lactose poderia fazer com que meu rosto ficasse cheio de manchas vermelhas, e eu me tornaria irreconhecível. Além do mais, eu não quero que ninguém fique encarando o meu rosto enquanto corta o seu pão, e me incline bruscamente enquanto derrama o líquido branco dentro de uma xícara de café amargo. Eu prefiro quando eles tem açúcar. Eu sempre preferi quando tudo aqui era doce.
Se eu não voltar hoje, querida, não anuncie no jornal. Eu não quero meu nome entre os anúncios de emprego. Não quero ser circulado com uma caneta vermelha, não quero que ninguém deseje receber um salário pra ser tão medíocre quanto eu. Também não quero meu rosto entre os anúncios de cartomantes, milagreiros, massagistas e putas. Eu não vou descobrir os seus segredos, trazer o nosso amor de volta em sete dias, muito menos te comer de novo. E, eu acredito que, meu rosto impresso naquela página cinza, não reaçalria minhas verdades. Eu estou mais pro sépia, do que pro preto e branco.
Se eu não voltar hoje, querida, não cole cartazes de "Procura-se" nos postes. Vou me sentir como Tiradentes, com os pedaços do corpo espalhados em praça pública. Eu não quero ser esquartejado de novo, não quero você destrinchando meu corpo e me espalhando pelos cantos. Já deixei muitas partes minhas em cada canto desta casa e em cada lenço de papel.
Se eu não voltar hoje, querida, não faça uma camiseta com uma foto minha, com a pergunta: "Vocês viram esse homem?". Eu nunca fui muito fã de serigrafia, como naquela vez em que nossa filha trouxe uma camiseta com o rosto dela de dia dos pais, e eu disse à ela que amei para não entristecê-la, mas, na verdade, eu achei horroroso. Além do mais, eu nunca fui estampado em nada importante até agora, e eu não pretendia virar um desenho qualquer numa camiseta barata.
Se eu não voltar hoje, querida, não procure meu corpo boiando no rio. Você nunca deu muita atenção, mas eu sempre disse que nunca aprendi a nadar.
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