Todo o tempo de silêncio me deixou a boca seca. Os lábios tão cerrados que acreditei terem sido costurados pelas aranhas que passearam por cima de meu rosto durante todas essas incontáveis horas.
Reviver feridas é cruel e ao mesmo tempo revigorante. É como se, ao tatear os queloides espalhados pelo meu corpo, estivesse lendo em braile cada pedaço de horror que me destruiu lentamente, e que, ao mesmo tempo, me desenvolveu um escudo de pele morta que me ajudará a impedir o próximo ataque.
Me lembro das primeiras navalhas que tocaram minha inocente pele, com marcas de vergonha e repreensão, me silenciando pela primeira vez dentro do que era considerado errado. O erro faz parte de mim como um gêmeo siamês, e as minhas verdades são ofuscadas pelos filtros alheios desde então.
Sinto ainda hoje queimar todas as fagulhas de ódio e de descrença as quais eu fui exposto. Fogueira acesa por mim. Fogueira acesa por outros.
Recordo com clareza da origem das cicatrizes no rosto. As unhas arranhando minhas bochechas, os socos desferidos no nariz. Conforme desço pelo meu corpo, sinto novamente as mãos sufocando meu pescoço e o cheiro de sangue podre que escorria da boca que esbravejava tudo aquilo que eu nunca mais quero voltar a ouvir. Como uma música ruim cantada muito alta diariamente ao pé do meu ouvido.
Contudo, apesar das marcas profundas que você vê, hoje, espalhadas pelo meu corpo, posso te garantir que a cicatriz que mais dói é ainda sentir a mão que forçou minhas verdades garganta à dentro e calou à força os sentimentos do meu coração.
Rasgando as teias e puxando com força o ar, te trago uma única verdade: hoje não, hoje ninguém vai me calar.
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