segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

De Dois mil e tantos.

Meu amor,

Feliz ano novo.

Eu sei que há muitos réveillons não lês minha letra, e talvez nem a reconheça mais. Resolvi não assinar esta carta, não dizer quem sou. Enviei-a sem remetente. Apenas chamei-a, meu amor. Sendo assim, talvez lembre de mim. Ou escolha outra amor, crie a fantasia de quem lhe enviou. Talvez um novo amor. Não me importo que não seja eu o remetente. Mas, sim, que sejas tu o destinatário. Talvez não te recordes da única virada de ano que passamos juntos. Afinal, éramos tão jovens, a orla estava tão lotada de pessoas comemorando, que se abraçavam beijavam choravam bebiam pulavam sete ondas comiam uvas jogavam rosas à Iemanjá fumavam maconha cantavam Caetano Beatles Mutantes. "Ninguém aqui escuta Secos & Molhados". Você reclamou isso pra mim, lembra, meu amor? Que aquela era sua primeira virada de ano na praia, e que haviam várias caixas de sons com diversas músicas diferentes, mas ninguém ali, ouvia Secos & Molhados.
Talvez você não escute mais Secos & Molhados. Talvez nem goste mais da voz do Ney. Dos adereços e das danças e da presença de palco. Talvez você nunca tenha gostado de verdade. Talvez você não vá lembrar desse verão, desse réveillon. Lendo essa carta, talvez você diga: "Quem é o louco? Eu não me lembro de pular as sete ondas". Devo admitir, meu amor, que durante algum tempo, depois desses dois mil e tantos anos, eu também me esqueci daqueles dias. Em que eu te vi construir castelos de areias. Te vi pegar um caderninho, e escrever escondida, e quando cheguei perto para olhar o que era, você apertou-o contra os seios e disse: "Estou anotando meus planos para o novo. São promessas minhas. Não quero que os veja". Eu apenas sorri, e cheguei perto de você, toquei meus lábios nos seus, e deixei que continuasse a escrever os seus planos. Você, antes que eu virasse, sorriu de volta, e mandou-me um beijo no ar. Voltou, então, para o seu caderninho de anotações. Naquele final de ano, meu amor, eu tinha certeza que você me incluiria nos planos para o ano seguinte.
E tantos anos depois, em que, admito, por muitas vezes eu acordei sem me recordar do teu sorriso e de teus lábios suaves, eu, acidentalmente, sem perceber, me vejo na mesma praia em que você me deu uvas na boca e roubou um baseado de minha mão e cantava Panis et Circenses à plenos pulmões. As mesmas pedras, o mesmo ar. A área de areia diminuíra um pouco, com a ação do mar e do tempo. Mas ainda assim, era a mesma praia. E eu te vi, de vestido curto, branco, de linho, correndo pela beira do mar, se jogando na areia, e fazendo um anjo, como se estivesse na neve. E então, decidi desejar-te um feliz ano novo.
Não sei quantos amores teve naquele verão, meu bem. Se fui só eu, ou se foram um para cada um dos dois mil anos que se seguiriam após esse verão. Não sei se, nesta virada de ano, vais passar ouvindo Secos & Molhados, ou Elis Regina. Ou coisa alguma. Não sei se o caderninho dos teus planos continua o mesmo. Se apenas abandonou-o. Ou se arrancou as páginas e começou de novo. Não sei se recordarás de mim. Mas saiba que, naquela sétima onda que pulamos de mãos dadas, roubastes meu coração por mais dois mil e tantos  anos.
Eu te amo.
Feliz ano novo.

Um comentário:

  1. Lembrei da música da Christina Perri.. A thousand years.


    Lindo..
    ''Mas saiba que, naquela sétima onda que pulamos de mãos dadas, roubastes meu coração por mais dois mil e tantos anos.''

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