Eu te vi cair da ponte, e só fiquei olhando. Poderia ter até feito algo, quando te vi sentada no parapeito, olhando fixamente para o rio lá embaixo. Pelo seu olhar, e pela maneira como seu tronco se impulsionava lentamente e constantemente para a frente, eu soube, desde o princípio, qual era a sua intenção.
Desde o momento que me aproximei de você, até você se lançar em direção ao rio negro e gelado há alguns quilômetros lá embaixo, houve um certo espaço de tempo. Tempo esse que, talvez, seria suficiente para eu conversar e te convencer do contrário. Ou puxar seu corpo para trás, te segurar, mesmo que você me agredisse, mesmo que você esperneasse, mesmo que você se tornasse um titã violento. Talvez você teria até me agradecido, tempos depois, por ter salvo a sua vida. Mas não. Eu só te vi cair da ponte. Só fiquei olhando.
Minha falta de atitude deva-se, talvez, ao fato de que eu nem deveria estar ali, naquele momento. Ainda era tão cedo, o sol nascera havia pouco tempo, e eu acordara com uma sensação perturbadora que invadia o meu peito e se espalhava por todo o meu tronco como se querendo explodir, ser expelida da minha pele e disseminar-se por todos os cantos do meu pequeno quarto. Decidira, então, que não iria trabalhar hoje. Assim, sem aviso, sem motivos, sem nada. Apenas, não iria. Tiraria este dia para caminhar pela rua, observar o movimento do sol. Experimentar as cores com estes olhos de incômodo constante que agora já se apossavam também dos membros, do pescoço. Do todo.
Me pergunto, também, se esta sensação não era justamente a de que eu deveria estar ali. Ali. Naquela ponte. Pra não te deixar cair. Esse recado do universo que me impeliu até este lugar. E eu o neguei. Neguei a sensação, a intuição, e te deixei cair. Mas não, não me culpo. Talvez nem eu mesmo soubesse que você se jogaria. Talvez, quando eu te vi, até pensei em também sentar no parapeito para observar o rio, e não imaginei que você pretendia lançar sua existência no vazio. E agora, estou apenas querendo acreditar que eu sabia.
Enquanto você caía, eu também olhava. Assisti à queda, como que em câmera lenta. Vi seu corpo girar no ar, como em uma cambalhota. Algum passo ensaiado de ginástica rítmica. Observei, então, quando esse giro, essa posição quase fetal, se desfez, e o ar jogou cada um dos seus membros para lados opostos, como que brincando com uma boneca de pano. Senti o impacto com água, como se seu corpo fosse meu corpo. Duro. Frio. Molhado. Fatal. Senti o meu corpo congelar por alguns segundos, as pulsações cardíacas paradas, a respiração nula, e na frente dos olhos, tudo extremamente branco. Por alguns segundos. E, quando a imagem voltou nítida aos meus olhos, a única memória que me restou, além dos raios de sol que iluminavam o rio negro, dando até algumas nuances de íris aqui e ali, foi a de que eu vi você caindo da ponte. E fiquei só olhando.
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