Se você não levou, então, cadê? Tô caçando as chaves, aquelas mais enferrujadas, embaixo do tapete, no vasinho das plantas do jardim, penduradas no prego de pendurar guirlanda de Natal em cima da porta. Como eu faço pra entrar em casa agora sem você?
Se você não ficou, pra quê? Deixei as roupas lá dentro, penduradas todas no varal, e parece que vai chover. As louças todas na pia, com comida da janta de anteontem, a última que eu cozinhei pra você. Vai dar bicho, amor, mas se você não fica pra terminar o que ficou, deixa corroer. Já tem buracos por todos os lados, já tá apodrecendo tudo que você abandonou.
Se você não levou, por que se importar? Fico escondido no canto da garagem, pra não tomar chuva e não sentir tanto frio, e sinto você passar na frente às vezes. Largar uma carta sem remetente no buraco da porta. Pra quê enviar correspondências que você sabe que eu não vou conseguir ler?
Se você não ficou, pra quê? Às vezes sinto falta de tirar teus fones enquanto você ouve algum instrumental qualquer. Talvez The Album Leaf, ou Tristeza, ou alguma dessas músicas lôbregas que você costuma escutar para ficar concentrado. Sinto falta de te acordar do seu transe, te puxar pela mão, e dançar com você enquanto canto um Caymmi ao pé do seu ouvido.
Se você não está mais, o que fazer? Eu sei que você não volta, e que não pretende fazê-lo. Que já tem outra casa, com outra chave, e outros discos pra valsar à noite. Mas você fica aos arredores, me assiste em silêncio sob sol e sob as estrelas. Não vai ficar, e não me deixa entrar. Me priva do conforto, do aconchego, do lar. Da vivência, da paz, do equilíbrio, e do passado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário