os olhos dela me lembravam que um dia eu fui feliz.
por aquela porta, com passos curtos, ela entrou lentamente. apesar do dia quente, beirando os 104 graus farenheit, ela vestia calças compridas, escuras, de um tecido que se assemelhava ao veludo, e um moletom cinza uns 3 ou 4 números maiores do que ela deveria usar. usava botas de salto grosso, que normalmente fariam algum som no atrito com o piso de madeira. mas ela não. os seus passos não faziam sons, ela passava quase despercebida no salão repleto de pessoas sentadas envolvidas com os seus próprios problemas-smartphones-questões-umbigos.
e quando digo quase despercebida foi porque, sem que ela notasse, pois olhava fixamente para baixo, eu a havia notado. havia notado que, apesar das roupas largas, ela era uma moça magra de estrutura pequena, e que seus cabelos até o ombro caiam de forma desordenada em sua testa, em uma franja que um dia foi cortada em diagonal mas agora já havia perdido o corte, e que a parte que caía em seu olho direito a incomodava demasiadamente, sendo retirada dali rapidamente com a mão, para então novamente cair sobre o olho. havia notado que levantava os olhos poucas vezes, à procura de uma ajuda-garçom-atendente-atenção-socorro que a dissesse se havia uma mesa para que pudesse sentar e talvez tomar um chá uma refeição um copo d'água. qualquer coisa, apenas queria sair do meio daquele salão. a sua lentidão, então, não me transmitia calma, mas desespero.
ela seguiu andando até o outro lado do salão, levantando o rosto rapidamente e verificando se haviam mesas vazias, mas ela sabia que mesa pra um não tinha espaço nesse lugar repleto de pessoas solitárias em grupo. ela procurava um espaço qualquer para sentar e pedir o menu e verificar qual seria a opção que saciaria o seu vazio.
seguiu andando, e chegou até a minha mesa. olhou para um lado e para o outro, e me viu sentando só. uma pessoa solitária sem grupo. em uma das vezes que ela levantou o rosto, me permiti sorrir. esperava que sua reação fosse de susto-espanto-nojo-pânico. para minha surpresa, sua fronte se iluminou, sua cabeça se ergueu, a franja parou de cobrir o olho direito, e ela também sorriu. pude, então, ver seus olhos, e percebi que, apesar de transparecerem imenso cansaço, eram belos, castanhos, e cheios de vida. parecia que conhecia aqueles olhos, de algum passado distante, de alguma memória confortante, de algum lugar seguro. os olhos dela me lembravam que um dia eu fui feliz.
perguntei se ela gostaria de se sentar.
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