terça-feira, 9 de abril de 2013

Sala de Estar

Olhei ao meu redor, e depois de alguns segundos, comecei a reparar na desordem. Tudo está aqui. Disso eu tenho certeza. Mas está tudo jogado, espalhado no assoalho de madeira velho, e um pouco apodrecido.
As estátuas de gesso, presentes de mamãe, agora são corpos estilhaçados, sem cabeça e membros destroçados. Piso, aqui e ali, em cacos dos humanóides quebrados, tomando cuidado para não pisar em algum fragmento meu. Cuido também para não pisar nos cacos de vidro, provenientes da televisão derrubada, das janelas esmurradas, dos porta-retratos. As fotos, no entanto, permancem intactas. As memórias ali contidas se danificaram mais facilmente que o papel.


Da mesa, restam as pernas. Uma em cada canto da pequena sala de estar. O tampo, foi destroçado com as pancadas que recebeu. Algumas ferpas estão debaixo de minhas unhas, causando uma interessante sensação de dor e delírio. O vaso, com rosas, que estava sobre ela, não mais se encontra. O vidro do vaso se mistura com os demais cacos, e as pétalas, esmagadas contra o assoalho, e misturadas com água e sangue. Os espinhos delas estão em minhas, mãos. Os outros espinhos, cravados bem mais ao fundo.
A estante, que ocupava toda uma parede do minúsculo cômodo, também está derrubada, esmagando os demais destroços. Sobre ela estavam as fotos, a televisão, as estátuas de gesso. Todas agora estão sob a grande estrutura de compensado. Sendo esmagados, como o corpo imóvel que também está ali.
Permanece intacto apenas o sofá. Tomei todo o cuidado para que não fosse danificado. Fora de minha avó. É de couro, vermelho, presente da própria. Sempre amei deitar-me nele, quando ainda estava em sua casa. Tenho memórias dele que antecedem a vida de hoje. Não deixaria destruir meu sofá. Não permitira desconstruir minhas lembranças.
Olho, contente, para o saudoso móvel. Alongo-me, e decido me deitar. Cresci desde a primeira vez que me deitei nele. Os pés, agora, ficam para fora dos braços do sofá.Balançando-os, pego no sono. Amanhã, talvez, eu limpe esta bagunça.

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