Haviam marcas de dedos no rosto. Estava vermelha a pele embaixo dos olhos, ao lado da boca. Recordo do dia em que eu acordei com os dentes quebrados, caídos no assoalho velho e podre. Haviam pedaços no chão. Um pouco de sangue na boca. O gosto era bom, me lembrava algo doce. Me lembrava o tempo que eu comia carne crua pra matar a fome.
Lembro de poucos detalhes do dia em que entrei no cômodo, cheio de móveis, com um pontapé. Bati com minha costela na estante à minha frente, derrubei as fotografias com o impacto, e, sem luvas, tratei de recolher os cacos de vidro que se espalharam pelo chão da casa. Alguns pedaços cravaram na pele, entraram debaixo das unhas, mas eu não sentia. A costela latejava demais para perceber a carne violada pelo vidro.
Reconheço nos trovões os ecos da voz que invadia meus ouvidos e me tornava submisso. Ainda me escondo debaixo dos cobertores e peço baixinho para que só por hoje, não ataque minha cabeça com um pedaço de qualquer coisa que encontrara pelo caminho. Eu quase não consigo mais pensar, minha cabeça pesa quando me esforço demais, meus olhos parecem que sempre estão prestes a saltar das órbitas. Novamente.
Me esforço em acreditar que meu corpo vai se acostumar. Que eu não vá mais sentir. Que eu consiga lidar com tudo isso como eu lido com os programas matinais. Ou com as contas do final do mês. São coisas que sempre estarão presentes em minha vida, e que não posso extinguí-las.
Não quero soar ingrato. Eu fui salvo de muitas desgraças, eu fui tirado de uma vida miserável e hoje tenho, ao menos, o que comer. Tenho mais me alimentado de sopas, depois de ter perdido os molares. Mas ainda assim, ao menos aqui tenho o que colocar na água limpa dentro da panela para cozinhar. Então, eu aceito as dores, lido com os hematomas. Eu encontro o meu espaço, e limpo o sangue do assoalho mofado que, porventura, venha a escorrer do meu corpo fraco.
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