Veja só. Arrastando os pés na calçada, depois de um dia todo de
trabalho, cansada. Ela segue. Já marcara o compromisso de encontrar o velho
amigo, conversar não sabe o quê. Procurara mil desculpas pra cancelar o
compromisso, mas não encontrara algum. Não sabia o que queria o velho amigo,
que não via a tempo tanto, que nunca vinha visitar.
Tinha raiva da solidariedade, esperava não falassem do marido que
perdeu. Nem em guerra, nem batalha, nem assalto, nem ataque. Perdera para outra
mais nova, bem mais bela, mais formosa, pra mostrar à sociedade. Não o amava a
muito tempo, mas doía, bem no peito, a maneira que ocorreu. Humilhada e
destruída, o marido lhe dizia: nunca fostes quem amei.
Pois agora era só isso que então os seus amigos sempre iam conversar.
Perguntar-lhe sobre a vida, sobre o quanto lhe doía, o marido que não há. Não
queria mais saber, estava tentando seguir a vida, e esta mágoa esquecer. Sabe
que são bem intencionados os velhos companheiros, mas não conseguirá tocar a
vida, se não lhe deixarem renascer. Esperava, ansiosamente, que o amigo, que um
dia lhe fora tão querido, apenas quisesse sua companhia. Um café e uma conversa
a toa, sem tentar lhe consolar.
Chegou ao lugar marcado, ele não estava. Havia muito tempo que não
voltava ao café. O marido e ela, há muito tempo, não saiam para passear. Ela
estava resguardada. Já desconhecia a maneira do atendimento, como se portar em
público, o que fazer com tantas pessoas ao seu redor. Como falar. O que falar.
Sentara-se sozinha, numa mesa ao canto, para evitar ser observada. Observava os
demais. Muitos jovens no lugar, se abraçando, conversando, rindo alto.
Arrependia-se de não ter tido um filho. Imaginava-o ali, como os jovens,
conversando, tendo amigos. Sendo seu amigo. Sorriu, lacrimosa.
Passaram-se 20 minutos, e nada do amigo chegar. Pensava, então, na
possibilidade de ter ele esquecido. Tão melhor, pensou ela, não sabia se estava
disposta à conversar. Mais 10 minutos se passaram até que ela decidiu levantar,
e quando o fez, viu o amigo entrar pela porta. Agora, seria inevitável. Teria
que ficar.
Ele a viu e acenou, sorridente, vindo em sua direção. Abraçaram-se, e
ele disse o quão feliz estava em vê-la. Ela apenas sorriu, singela. Ele
questionou se estava tudo bem.
- Sim, está tudo. Apenas estou um pouco cansada.
- Dia de trabalho, não é? Agora é só chegar em casa, e descansar para
o outro dia!
- Antes fosse, meu amigo. Desde que o marido se fora, já não tenho
mais doméstica. Não posso pagar o que pedem. Tenho eu que fazer tudo.
- Trabalhei também o dia todo. Ainda tenho que sair depois, buscar o
filho na faculdade. Nem acredito que já é universitário, meu menino!
- Que alegria, o teu filho. Queria eu ter tido um. Olhei os jovens,
tão alegres, neste café, e fiquei imaginando que um deles poderia ser o meu.
Mas o marido nunca quis, uma criança. Talvez agora não estivesse tão só.
- Mas nem só alegrias são um filho, sabe. Desde criança, até adultos,
sempre são preocupações diferentes. Por onde correm, se vão cair ao aprender a
andar, se estão indo bem na escola, se estão indo à escola, se estão indo por
um bom caminho, se querem trabalhar, aonde foram que ainda não voltaram, e já é
tão tarde.
-Me privou até destas dores de cabeça, então, meu ex-marido. Talvez,
assim, eu não tivesse tanto tempo de sentir sua falta, me preocupando com uma
criança.
- Tem tanto tempo que não nos
víamos, não é mesmo? Mas, ainda, você está tão bonita! Tão esbelta, tão bela!
- Emagreci muito, nos últimos tempos. Pouco como, sabe? Cozinhar pra
uma pessoa só não tem tanta graça. Quando tinha o marido, tinha gosto de ir à
cozinha. Hoje, como um pão a noite e já me dou por satisfeita.
- Está morando ainda aqui por perto?
- Estou, ainda bem. Como o marido ficou com o carro, agora faço tudo a
pé.
- Sorte nossa, morarmos em uma cidade pequena! É fácil para irmos para
todo o lado caminhando, e ainda aproveitar para respirar um pouco.
- Sorte e azar, também. Não posso ir nem ao mercado, à mercearia, que
encontro ele e sua esposa jovenzinha, alegres, passeando como um casal de
bobos. Tenho evitado sair de casa, apenas para trabalhar, e quando é
extremamente necessário.
- Tem começado a ficar bem frio, nos últimos dias. Tenho evitado sair
de casa.
- Quando é frio, é tão terrível. A cama grande fica tão vazia, sem o
meu marido nela.
- Veja só! Olhe as horas! Creio que já seja hora, de que eu vá!
- Eu também, como vou a pé, não posso ir quando estiver tão escuro.
Sou sozinha, tenho que me cuidar.
- Mas jamais, vamos comigo! Eu te deixo em sua casa!
- Não, não, não se incomode. Tenho que passar em outro lugar antes de
ir para casa, e prefiro ir a pé.
Sem insistir, o amigo levantou-se. Abraçou-a novamente, disse que
ligaria para marcarem novamente. Ela sorriu, amarga, e disse que iria esperar.
Foi embora chateada, pois outro amigo a chamara, só pra falar do marido.
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