Era como aquela moça fútil pela manhã. Ela, secretária, recebia os jornais para o chefe, e sem nem se importar com as manchetes bombásticas que o jornal estampava, percorreu as folhas ansiosa para encontrar uma das únicas coisas que realmente a interessavam naquelas folhas ásperas e sem cor: o horóscopo. Era do signo de sagitário, mas também lia o de libra, pois quem interessava a ela, era deste signo. Ela realmente achava necessário saber o que se passava na vida de seu amado.
Então, aquela voz, aquela voz que estava ao fundo e desponta, furiosa e ao mesmo tempo melancólica, a frente das atenções e lê uma carta, em voz alta, como se tudo que era dito ali, não se destinasse apenas a quem realmente interessava, mas a todos nós. E havia aquele sentimento de dor, de saudade. Cazuza, naquele momento em que o dia estava nascendo feliz. E toda aquela saudade. E aí, o silêncio.
O pássaro do homem ainda desafinava nas mesmas notas da música, ele se esforçava de todas as formas para que a ave aprendesse, mas era complicado. Aquele seria, apesar de falhar na domesticação vocal de seu pássaro, um novo dia, um dia diferente. Ele começaria um novo emprego. Era visível a excitação misturada com nervosismo, toda aquela vontade de parecer até melhor do que era, de causar a melhor impressão possível. Daquilo dependia a sua estadia naquela cidade estranha, daquela postura dependia seu futuro e seu subsistência. E ele conseguiria. Ele era ótimo, formado em administração, com curso médio em técnico contábil, e ainda, com um curso de datilografia a distância.
Em algum outro lugar, um homem começava sua manhã desenhando. Sempre fora bom em desenho, mas não podia viver de um sonho, era preciso colocar os pés no chão, e com os pés no chão daquele pequeno quarto de pensão, ele terminou de se arrumar para começar um novo emprego, numa repartição.
Jamais pensaram os dois, que aquele dia seria um dia que traria tantas mudanças na vida dos dois.
No começo, apenas olhares estranhos, cumprimentos educados, e aqueles assuntos necessários a evolução do trabalho que eles, afinal, elaboravam em conjunto. E também, um café, de vez em quando. Único momento de leve descontração.
Como em vários tipos de relações que se iniciam obliquamente, o motivo que começou a uní-los foi algo totalmente inesperado: cinema. Um gosto cinematográfico em comum, atores, diretores, todos aqueles conhecimentos os fizeram perceber um no outro algo que poderia começar a preencher suas solidões.
E a partir daí, era impossível saber o que se passava na cabeça de ambos. Havia uma falta, um sentimento que era difícil de expôr. Mas havia, ele estava ali, presente, marcando como ferro a alma daqueles homens tão sozinhos.
Certa vez, pelo falecimento da mãe de um deles, passaram uma semana distantes. Uma semana sem nenhum contato. Aquele que continuou trabalhando sentia como se o tempo não passasse, aquele vazio era impossível de preencher.
E quando voltou, ah, aquela ligação, aquela voz, e aquele chamado: Vem, vem aqui. E aquele abraço. Um misto de fúria, de paixão, de saudade, de tristeza, de vazio. De amor, verdadeiro amor.
A partir daí, dessa demonstração quieta e real de um sentimento que já fazia parte de todo o ser, não importa o que se passa na cabeça das pessoas: dois amigos, dois homens carentes que sentiam falta de alguém, dois amantes, dois veados promíscuos. Não importava o emprego, não importava a repartição,não importavam os olhares na janela. O que realmente importava ali, naquele momento, foi que existia algo a que realmente se apegar, a que realmente cuidar, se importar: que havia alguém, que acima de qualquer banalidade, preenchia todo e qualquer vazio, apenas por existir. E assim, aqueles dois seguiriam, sem mais precisar de ninguém, pois eles tinham um ao outro, e assim que teria que ser.
Acho que é quase impossível descrever com palavras a sensação de assistir a peça Aqueles Dois, baseado no conto homôniomo de Caio Fernando Abreu. Todos os momentos, todos as sensações, toda a ansiedade, aquilo tudo que está em cena tão a flor da pele. Tentei apenas expressar o sentimento final dos dois personagens, o que, penso eu, eles realmente sentiam. Nâo é tesão, não é amizade, não é carinho. É algo que transcende isso tudo, e você consegue saber se você realmente sente. Ou, se você assiste a peça Aqueles Dois, da Companhia Luna Lunera.
Serei eternamente grato por tão maravilhosa experiência.
Para mais informações, @cialunalunera Site Oficial Cia. Luna Lunera.
Fracos são os auto suficientes!
ResponderExcluirÉ tão melhor sentir necessidade de alguém e saber que essa pessoa também so precisa de você pra se sentir completo x)