Se você é feito de idas e vindas, moreno, talvez não devesse voltar.
Eu fico sempre na janela, esperando ver se as pernas que viram a esquina tem o formato e a cor das suas. Se o movimento dos pés parece com a dança suave que os seus fazem ao tocar o chão.
Fico à espera, sempre, moreno, pois eu sei que você sempre volta.
Arruma as malas, tira os livros da estante, conta os discos do Queen e dos Titãs pra ver se não esqueceu de nenhum, pega até as roupas molhadas do varal, os tênis sujos em cima do muro do quintal, joga tudo na mochila, põe nas costas e vai. Sem um beijo de até logo, sem um olhar de adeus.
Sai dizendo que vai tomar um café, mas parece que foi na verdade plantar as árvores, e depois fazer a colheita. Demora meses, semanas, demora marcas nos pescoços, hematomas nas coxas, beijos em outras bocas, toques em outras carnes, e diversas incontáveis unidades de medida de tempo que criei enquanto olhava para os cômodos vazios da tua existência.
Diz, carinhoso, que vai comprar um jornal e quem sabe, talvez, alguma revista de astrologia pra me dar de presente. Me beija os lábios, me diz pra esperar pra comer as torradas, e eu sorrio. Ao fechar a porta, eu tomo o café da manhã, pois se eu for te esperar pra comer, as torradas ficam frias, a xícara fica gelada, o leite vira coalhada.
Não importa a desculpa, você sempre volta. Eu fico sentado na cadeira que já deixei posicionada perto da janela que dá pra rua, pra passar o dia esperando você voltar. Gasto meus dias meus olhos minha pele exposta ao sol minha sanidade minha dedicação minha esperança olhando os transeuntes que sobem e descem a rua, pois eu sei que um deles, em algum momento em alguma unidade de medida de tempo, vai ser você. Parando no portão, acenando, com uma mochila um jornal uma xícara de café uma revista de astrologia na mão, me pedindo para entrar.
Enquanto isso, moreno, a tua espera me corrói esta vida e todas as outras que ainda haverão. Portanto, se você é feito de idas e vindas, moreno, talvez, só talvez, você não devesse mais voltar.
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