segunda-feira, 6 de julho de 2015

coágulo das infiltrações, III

me deixa aqui
sentindo cheiro de sangue
o velho gosto amargo
o frio das noites mal dormidas

pensando nos versos incompletos
nas músicas sem ritmo
na tela em branco sobre o cavalete
na argila seca sobre a mesa

me deixa aqui
contando as manchas no teto
os retalhos das roupas velhas e manchadas
as fissuras nas paredes do quarto

resgatando as páginas do antigo diário
as pontas soltas das costuras
os fragmentos dos meus anseios
o que me sobra de estímulo

me deixa aqui
revendo as fotos nos álbuns mofados
os filmes no vídeo cassete estragado
as luzes que passam incessantemente na janela

trocando as cores dos olhos que me encaram
os nomes dos filhos que não tivemos
as datas dos dias que não vivi
a ordem das dores que sinto

me deixa aqui
acostumando-me com a tua ausência
com os dias longos sem nenhum propósito
com a falta de compreensão

deixando as horas correrem vazias
o teu silêncio ocupar o espaço
as minhas fraquezas tomarem forma
a porta aberta pra você partir

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