quinta-feira, 16 de julho de 2015

(De)formações

Nas gotas de chuva, eu via os reflexos dos dias. Haviam tantos séculos de amargura e silêncio, que eu já pouco reconhecia o que via, mas sabia que toda aquela água, que parecia quase me afogar, me mostrava os dias que eu não vivi. Os dias que não foram. Os planos abandonados, os desejos não concretizados. Eu via tudo que nos envolvia, com os olhos do pouco que me restava.
Nesse tão pouco, ainda sobra a vontade de trazer de volta tudo que eu reconheço. De disfarçar as noites com aquarela, deixar as cores mais bonitas. Pintar o céu de verde, as flores de azul, te entregar o pincel, e fazer do mundo tua tela.
Eu que tô aqui há tanto tempo, vi tudo mudar. Já não aceito as mesmas formas que nos disseram que eram verdade. As velhas curvas nas mesmas ruas, as avenidas atravessadas. Tá diferente agora. Tá meio torto, inclinado pro lado, parecendo uma versão pitoresca da Torre de Pisa. O gosto amargo do café parece mais doce agora, só que diferente do que já havia. O pó das estrelas chove do céu e me molha com um brilho asqueroso.
Já não é mais o que era, e você nem vai perceber. Os teus caminhos são inversos, as tuas ruas são asfaltadas, enquanto as minhas ainda são de terra batida. Bati as mãos, a poeira subiu, me disfarcei entre as partículas de pó e sujeira, e desapareci entre as tuas partidas, me perdi entre os teus adeuses, e naufraguei nas cores que você dispensou.

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