sexta-feira, 14 de maio de 2010

Rotativa; Ou lá e de volta outra vez...

- Siim?
- Sou eu!
- Ahn?
- Abra a porta, se você ainda sente minha falta, é claro...
Ele, ainda meio sonolento, não havia entendido de primeira a quem pertencia a voz do outro lado do interfone. Eram 6:30 da manhã de sábado, quem teria coragem de acordá-lo tão cedo. Mas então, ele lembrou: ela estava vindo, novamente, para vê-lo. Não que ele houvesse esquecido, absolutamente, mas ela disse que chegaria mais tarde, lá por 10 horas, e 4 horas antes eram horas suficientes para deixá-lo confuso.
- C-c-claro, claro meu bem, entre. Você sabe qual é o apartamento, sim?
- Eu jamais me esqueceria.
E ela estava ali. Mas meu Deus, ela nem havia dado tempo dele tomar um banho! E nossa, que perigo! Ela deve ter voado na estrada para chegar tão rápido, ainda mais ela, que era tão boa no volante assim como ele era na cozinha. Realmente um perigo. Ele gravou em sua mente que deveria ralhar com ela quando tivesse tempo. Quando tivesse tempo de fazer qualquer coisa a não ser admirá-la. Aproveitar o tempo que teria ao lado dela, que acabaria dali aproximadas 30 horas.
Foi até o espelho que possuía na sala, tentou arrumar os cabelos rebeldes, entrou na cozinha e ali mesmo jogou água no rosto, pegando um pano qualquer na gaveta e secando o rosto e as mãos. Abriu a porta, e ali, parado, esperou. A entrada do elevador ficava no outro extremo do corredor de seu andar, dando a ele uma visão privilegiada dos números que iam subindo um a um. Quanto mais perto eles chegavam do 7° andar, mais ele sentia um certo nervoso, misturado com ansiedade, alegria, e tristeza.
1°, 3°. Ela estava se aproximando. Que maravilha! Ela cumprira sua promessa novamente! A tanto tempo não a via, não podia tocar seus cabelos castanhos, seu rosto branco, sua pele macia, seus lábios vermelhos e sempre levemente secos, pois por um problema respiratório ela sempre respirava pela boca. Segurar em suas mãos, abraçar, se apoiar em seu corpo alto, magro, perfeitamente desenhado para encaixar suas mãos em suas cinturas e puxá-la para perto do seu. Ah, que saudade...
3°, 4°. Saudade essa, que ele sabia, voltaria. Sim, pois ela sempre voltava, para depois ir. Eles nunca moraram na mesma cidade. Seu amor era distante. Se viam de tempos em tempos. Já passaram 1 ano sem nem ao menos trocarem notícias. No início ainda, viviam suas vidas, e depois se encontravam e retomavam tudo, isso, idéia dela, ditas nas palavras:
- Quando estamos distantes, vivemos nossas vidas. Quando próximos, pertencemos um ao outro.
Isso doía nele, ter que tocar, tentar amar, tentar viver outras pessoas, apenas porque ela também faria o mesmo que ele. Não achava certo, não achava bom. Mas, o fazia. Não iria passar os dias a remoer o que a outra fazia enquanto ficava só. Curtia sua vida, sua juventude, como podia. Bebia, farreava, beijava, transava, para conseguir manter a máscara de felicidade e tranquilidade no corpo. Mas como toda a máscara é presa por um fino fio de nylon, ele sabia que um dia a sua também cairia e se despedaçaria. Despedaçou.
Chegou a hora de dizer, Chega! Não aceito essa condição. E ela, no início, mostrou-se relutante, dizendo que não sabia se poderia lhe dar tal palavra. Mas então cedeu. Disse a ele que sim, que o amava mais que a qualquer outro homem, e que seria dele, somente dele, nos momentos que pudessem estar juntos, e distantes, continuaria dele, amando-o da melhor forma que pudesse, e amando e se entregando somente a ele. Ele, então, pôde enfim viver somente para ela, porém, não sabia se ela fazia o mesmo, e preferia não saber. Preferia manter as palavras proferidas e prometidas por ela como a única verdade. Lá no fundo, ele não sabia se era a verdade, mas, preferia manter tudo como está.
Ela nunca havia dado a ele tanto amor. Se tornara atenciosa, preocupada, ligando para ele quase todos os dias, perguntando como está a vida. As vezes, dava até satisfação de onde iria, com quem iria, coisa que nunca havia feito! Ele estava em um estado de alegria que parecia não ter espaço dentro dele. E agora ela estava ali, para dar todo este amor a ele, tão próxima...
5°, 6°.
Tão próxima, que ele tinha medo. Era a primeira vez que se veriam desde esta promessa, desde esta abertura e permissão ao verdadeiro amor deles fazer parte desta história e se tornar quase o personagem principal, não importando mais as suas vidas em separado, mas sim o amor que os unia. Ele temia ser impossível passar todo este amor a ela, e ainda, não sentir todo o amor emanando dela assim como sentia da sua voz pesarosa e cheia de saudades que houvia do outro lado do telefone. Aqueles gemidos, sussuros, dizendo eu te amo e que estavam morrendo de saudade. Ele temia. E temia também como tudo seria quando ela voltasse! Será que perceberia então como foi burra de perder tantos meses esperando para vê-lo e para tê-lo e diria que esta foi a última vez que veio vê-lo? Não, achava que não... Mas ele temia simplesmente o momento da ida, o momento em que ela partiria. Passou meses preparando tudo para vê-la, para poder estar ao lado de quem mais amou em toda a sua vida. Meses amando tudo, meses ansiando, meses A AMANDO como nunca amou, pois ela viria ali, para ele, voltaria para ele toda sua, sem ter sido tocada por nenhum outro. E agora, que ele estava ali, ele temia a ida. Por que tanta espera por tão pouco? Por que tanto desejo para um breve momento?
Escutou uma música dias antes, em inglês, que dizia "You always love me more, miles away" (Você sempre me ama mais, a milhas de distância). E será que não seria isso? Que o amor deles era um amor distante, e quando próximo, eles voltariam a ser dois personagens e dois amores que apenas juntavam os corpos, mas não se tornavam um só? Ele temia, ele teme. Ele ama, e como todos os que amam, todos os que sentem que outra pessoa faz parte de si próprio, ele não deseja estar sem a pessoa amada.
7°. O elevador abriu as portas. Todos os pensamentos que passavam por sua mente se esvaíram ao ver aqueles olhos verdes brilhando, cheios d'água assim como seu. Aquele belo corpo se movimentou para fora do elevador, tirou a mochila das costas, e correu a seu encontro. Os dois corpos se chocaram com tamanha força, que qualquer um que estivesse olhando, pensaria que os dois corpos explodiriam ao choque. Mas não explodiram, permaneceram abraçados, com muita força, sem respirar.
Ali, ele esqueceu de tudo. Do cedo da hora, do cabelo bagunçado, do perigo de correr tanto,
(do medo, do medo, de todo o medo)
da saudade, da distância.
Ali, eles eram, sim, um só, e pelo tempo que tivessem, curto ou não, eles estariam unidos como um só personagem. Um só amor.
E mais para a frente, ele teria, novamente, o momento de sentir saudade, de sentir medo, de sentir que tudo iria desabar, para então se edificar novamente.

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