terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Em Fogo e Carne

Um espaço de tempo. Corria com passos largos. O espaço de tempo era curto demais para perder tempo observando a paisagem. As pernas doíam absurdamente, a cada passo. Os pés formigavam, por vezes não tocavam ao chão. Ou talvez, não mais os sentisse tamanha era a intensidade que infligia impulso aos seus membros inferiores.
Fazia pouco tempo que ouvira a explosão. Aquele barulho ensurdecedor. Mas sabia que o tempo que levaria para destruir seria muito rápido. Era melhor sair logo dali.
Evitava olhar para trás. Temia encarar o fogo, a fumaça, a fuligem, as ruínas. O sangue, a pele, os membros, os cabelos. Os gritos, as faces de desespero.
Apenas corria, fugindo da destruição iminente. Não tivera forças para ajudar a ninguém. Também não tivera vontade. Não tivera vontade. Que queimem, as bruxas.
Era sua chance de se sobressair, ou cair por terra. Que permaneça só.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Antiquário

Houve um tempo. Sentado em sua cadeira de madeira quase podre, ele se recorda de que houve um tempo. As memórias daquele tempo não eram tão claras. Esquecia com facilidade dos dias longínquos, conforme suas mãos ficavam mais trêmulas, e se tornava mais difícil arrancar pedaços de sua pele com os dedos enfraquecidos pelo tempo.
Naquele tempo, ele recorda-se vagamente de que haviam outras pessoas na casa. Chegava a acreditar que a casa teve, um dia, mais andares, tamanha era a quantidade de pessoas diferentes que vinham habitar suas fracas e raras lembranças. Não tinha absoluta certeza se eram várias pessoas diferentes, ou diversas faces das mesmas criaturas que dividiam com ele seu passado.
Lembra-se ainda mais vagamente que haviam outros lugares no mundo, além do quarto velho e escuro, do divã pútrido que o servia de leito, e da mobília podre e cheia de cupins. Que haviam lugares belos, e mais pessoas ainda do que haviam em sua casa.
Houve um tempo. Mas não há mais.