segunda-feira, 4 de maio de 2020

reofílica

foi peculiar te diferenciar na multidão.

enquanto todos pareciam tão focados em andar na mesma direção, e fazer os mesmos movimentos, com os mesmos objetivos, você se destacava.

para eles, se destacava por atrapalhar o fluxo. por esbarrar nos ombros ao seguir na rota contrária, por precisar abrir caminho com as mãos entre os corpos enfileirados.
para mim, chamava a atenção por não ter medo de mudar sua rotina, por ter coragem de continuar, mesmo ouvindo todas as ofensas - as sussurradas e as berradas - que eram lançadas a cada vez que você encostava em um corpo para seguir contrariando o grande grupo.

era incrível, para mim, que te via de longe, a sua coragem e determinação em se lançar no desconhecido e continuar nadando contra toda a maré de pessoas que tentavam te encaixar na mesma sincronia não questionada.
enquanto admirava sua fluidez em navegar por essa existência, notava pessoas que tentavam até segurar você pelo braço e te colocar na fila que seguia em uma marcha ensaiada em direção ao mesmo lugar, e me surpreendeu sua destreza em se desvencilhar e continuar a criar a própria batida da sua rota.

ao chegar perto de mim, meus olhos brilharam, e por alguns segundos pensei em te acompanhar e criar um novo ritmo, cortar caminho pela diagonal e chamar esta nova perspectiva de um atalho todo meu.
porém, eu fui só mais um ombro que você desviou. te perdi de vista, pois não podia olhar pra trás, para não perder o ritmo dos dias.

um, dois, um dois.

para frente, sem olhar para os lados.

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